segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Daniel e o Significado da Profecia Bíblica

Tema 06

O LIVRO DO PROFETA DANIEL E O SIGNIFICADO DA PROFECIA BIBLICA
                                                                                                                                                                                                                                                                                José Carlos Ramos
Engenheiro Coelho, SP, fevereiro de 2013


            Os traços distintivos da profecia bíblica podem naturalmente ser observados no livro de Daniel na Bíblia. Este narra os começos do cativeiro babilônico dos judeus e o ministério deste profeta em Babilônia, capital do império que levou este nome e dominou uma boa parte do mundo no século 6 a.C. Uma parte do livro foi escrita em aramaico e a outra em hebraico.
O significado da profecia bíblica é visto já na maneira como o escritor sagrado nos apresenta o seu material, história (capítulos 1 a 6) e profecia (capítulos 7-12) combinadas de forma a permitir que o leitor perceba o que ocorre por trás dos bastidores. Para Daniel, Deus é o Senhor da História, Aquele que conduz os acontecimentos segundo os Seus propósitos de amor, salvação e restauração.
Isto é suficiente para que o livro de Daniel seja considerado um poderoso antídoto contra o veneno do secularismo que lamentavelmente está cada vez mais presente nos arraiais do cristianismo, e por culpa dos próprios cristãos. Como a Dra. Joyce Baldwin afirma, “a Igreja tem a si mesma exclusivamente para culpar se a fé numa dialética impessoal tem, na mente de muitos, suprepujado a fé no Deus Onipotente como o controlador da História. O secularismo nega o sobrenatural. Por muito mais razão, portanto, necessita a Igreja crer nas certezas proclamadas por Daniel, isto é, que Deus constantemente exerce Seu controle e juízo sobre os negócios humanos, derribando o poderoso, subvertendo regimes injustos, e efetivamente introduzindo o Seu reino, o qual deve incluir todas as nações. Plena e confiante proclamação do propósito de Deus para toda a História necessita ser ouvida sem delonga.” (Daniel - An Introduction & Commentary, pág. 17)
            O relato histórico do livro é uma vívida ilustração desse fato. O capítulo 1 abre com a afirmação de que foi Deus Quem entregou os judeus nas mãos dos babilônicos. Em outras palavras, mesmo o desastre do cativeiro cumpre um objetivo divino. Na sequência, a ação divina em Babilônia deixa claro que Deus continua com Seu povo, e que finalmente o libertará. O capítulo se encerra com a menção do “primeiro ano do rei Ciro” (v. 21), o ano da libertação dos judeus.
Deus igualmente comanda os eventos relatados no capítulo 2; Ele acaba reconhecido como Deus dos deuses e Senhor dos reis, o que também propicia a exaltação de Seus servos, particularmente Daniel. A presença divina com os três hebreus na fornalha ardente do capítulo 3, responde o desafio do rei Nabucodonozor “quem é o deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (v 15), e reafirma a participação divina nos negócios humanos. A loucura do rei no capítulo 4 e sua reposição ao trono de Babilônia é clara evidência de que “o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer” (v. 32). A queda e levantamento de impérios, portanto, ocorre debaixo da soberania diretiva de Deus, o que claramente se distingue no capítulo 5, onde a Medo-Pérsia substitui Babilônia no domínio mundial, e cumpre o que é anunciado nas profecias dos capítulos 2 e 7.
O capítulo 6 conclui a parte histórica reassegurando a atuação protetora e salvífica de Deus em favor de Seu povo enquanto o conflito com os poderes opostos continua. O capítulo 10, considerado uma descrição do contexto histórico da última visão de Daniel, consubstancia exatamente esse ponto.

O Triunfo

            Não resta a menor dúvida, segundo o teor geral das profecias de Daniel, que o reino de Deus triunfará, e que quando isto acontecer os planos divinos estarão plenamente concretizados. Cada quadro profético do livro culmina com esse fato. No capítulo 2, o reino de Deus, representado pela pedra que destrói a estátua com a qual Nabucodonozor sonhou, é estabelecido para jamais passar. No capítulo 7 o Filho do homem dirige-se ao Ancião de dias para assumir o “domínio, a glória e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as línguas O sirvam.” (v. 14). Nos capítulos 8, 9 o santuário de Deus é purificado no tempo determinado por Ele. Finalmente nos capítulos 11, 12, a marcha e contramarcha da História é concluída com a manifestação de Miguel, o grande príncipe, que se levanta em defesa de Seu povo. É assim que Daniel pinta o quadro da volta de Jesus com suas implicações.
            Os temas teológicos abordados pelo escritor suprem igualmente o significado e a natureza da profecia bíblica em Daniel. Do tema preponderante, o domínio de Deus, derivam outros, igualmente importantes, como o julgamento divino e a ação divina na História. Ele age na História porque Ele julga, e julga porque é soberano nos negócio humanos. Ele é o Grande Juiz porque domina sobre todos. Em vista disso, tanto o povo de Deus como os seus inimigos passam pelo crivo do juízo divino, o primeiro para ser justificado, vindicado e salvo para sempre, enquanto o segundo para ser desmascarado, condenado e destruído. Assim o juízo possui um caráter salvífico e ao mesmo tempo condenatório, fato que o escritor salienta respectivamente nos capítulos 4 e 5, o centro da parte aramaica. Mas a justificação, vindicação e salvação para uns, e o desmascaramento, condenação e destruição para outros, se efetivam através de atuações específicas de Deus.

A Figura Dominante

            Outros temas tocam direta ou indiretamente este ponto. A angelologia de Daniel, por exemplo, salienta que Deus usa determinados agentes no cumprimento de Seus propósitos, os anjos, embora o livro não ignore também a instrumentalidade humana como recurso da ação divina. Anjos também são usados no processo de comunicação e elucidação desses propósitos. Outro exemplo é o tema da oração, o qual pressupõe o fato de que Deus pode operar e por isso o homem ora. Alguns temas apontam para ações específicas de Deus, como o tema do livramento e da ressurreição.
            A cristologia de Daniel deve também ser considerada. Não somente Cristo se acha presente como figura proeminente em determinados eventos, mas é Ele a razão e o meio através do qual Deus age, segundo consta no livro. Por exemplo, se o tema do juízo está presente em todo o livro, e se “o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo o julgamento” (Jo 5:22), temos que convir que Jesus aparece como expressão principal em cada capítulo de Daniel. Mas se é verdade também que não apenas o juízo, mas “todas as coisas” foram confiadas às mãos de Cristo (Jo 3:35), então Cristo é a agência principal da ação divina, e a cristocência do livro de Daniel é plena. Afinal, qualquer ação divina em qualquer tempo da História, decorre do plano da redenção e de seu cumprimento em Cristo e por Cristo.
            O cativeiro babilônico dos judeus, que permanece como pano de fundo da mensagem de Daniel e do qual finalmente Deus liberta o Seu povo, se torna assim, um apropriado tipo do cativeiro do pecado, do qual Deus libertará a raça caída, mediante Cristo. Que isto é verdade, é suficiente observar que o Apocalipse emprega o termo Babilônia para identificar o elemento opressor do povo de Deus nos dias finais da História, e do qual Deus finalmente o liberta. Em 1Pd 5:13 o termo define o poder dominante nos dias apostólicos. Assim, a libertação dos judeus do jugo babilônico é vista como um dos grandes eventos redentivos do Antigo Testamento.
Não é, portanto, por mero acaso que Jesus é a figura dominante no conteúdo profético de Daniel. Ligamos naturalmente a idéia da pedra e do reino divino no capítulo 2 com Cristo. É Ele também, em primeira instância, o Filho do homem no capítulo 7, e o Príncipe dos príncipes, Aquele que purifica o santuário, no capítulo 8. Nos capítulos 10 a 12 Ele é Miguel, que a princípio socorre o próprio Daniel, e no fim se levantará para libertar o seu povo.
De particular referência, todavia, é a profecia das 70 semanas no capítulo 9, que determina o tempo do primeiro advento, e dos acontecimentos básicos ligados a ele. Na verdade, os capítulos 8 e 9 formam uma unidade temática que apresenta em essência o plano da redenção: a expiação plenamente executada (Dn 9) e plenamente aplicada (Dn 8). Os dois capítulos “representam e incluem a miraculosa encarnação, a vida sem pecado, a unção divinamente atestada, a morte expiatória, a ressurreição triunfante, a ascensão literal, o ministério intercessor, e, então, a gloriosa volta de nosso Senhor a fim de reunir os Seus santos para estar eternamente com Ele... A profecia é essencialmente a revelação da atividade redentora de Deus em e por meio de Jesus Cristo. Estes capítulos são, portanto, muitíssimo preciosos..., pois formam a chave da imponente abóbada da completa e gloriosa salvação por meio de Jesus Cristo.” Questões Sobre Doutrina (Casa Publicadora Brasileira, 2009), 194.
A centralidade da cruz nas profecias de Daniel é para ser vista objetivamente, no fato de que as 70 semanas são o centro da parte hebraica do livro, sendo a morte do Messias o centro do centro. Lembramos ainda que as predições escatológicas de Daniel se cumprem primeiramente em Cristo, para depois se cumprirem na História. Esse fato pode ser observado nas entrelinhas de suas profecias.
           Finalmente, diríamos que seria justo considerar a pessoa de Daniel um tipo de Cristo, pelo menos em alguns aspectos. Ele vem à Babilônia por razão do pecado de seu povo, e propõe de início não se contaminar. Em Babilônia, mas não de Babilônia, é ele principalmente o porta-voz do Deus verdadeiro junto à corte pagã de dois grandes impérios, bem como certamente uma palavra de estímulo e encorajamento àqueles no cativeiro. Mais que isso, atua como peça-chave junto aos poderes dominantes para que finalmente o retorno dos judeus à Palestina se torne uma realidade. Há certa identidade entre o profeta e sua mensagem, ao ponto em que não é possível distinguir se o anjo, ao declarar-lhe a promessa que encerra o livro (12:13) esteja fazendo referência a ele ou ela, ou a ambos, o que é mais provável. De forma muito mais ampla, esse fato é verdade com respeito a Cristo e Sua mensagem.
          Convido o caro leitor a que leia e estude o livro de Daniel na Bíblia. É algo emocionante e ao mesmo tempo compensador.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Jesus Cristo, a Norma Final

Tema 05

JESUS CRISTO, A NORMA FINAL
           
José Carlos Ramos
Engenheiro Coelho, SP, fevereiro de 2013
                                                                                                                                                                  
           
             Como último aspecto da revelação de Deus em Cristo destacamos que ela é normativa, no sentido de que todo genuíno conhecimento de Deus é dependente dela. Isso significa precisamente que não existe qualquer revelação desconectada de Jesus Cristo, não importa se outorgada antes ou depois dEle, pois Ele é a fonte de revelação divina em qualquer época. Ademais, Ele mesmo veio até nós trazendo a “última palavra”.
            Esse fato transparece no relato da transfiguração de Jesus, principalmente na forma como o evangelista Lucas a expõe. O incidente é geralmente tomado como uma representação do segundo advento, quando Cristo, com majestade e glória, se manifestará ao mundo. De fato, Pedro, um dos que testemunharam a transfiguração, a ela se referiu nestes termos: “Porque não vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo seguindo fábulas engenhosamente inventadas, mas nós mesmos fomos testemunhas oculares da Sua majestade, pois Ele recebeu, da parte de Deus Pai, honra e glória, quando pela Glória Excelsa lhe foi enviada a seguinte voz: Este é o Meu Filho amado, em quem Me comprazo. Ora, esta voz, vinda do céu, nós a ouvimos quando estávamos com Ele no monte santo.” (2Pd 1:16-18).

Glória Futura

Dentro desse significado, Moisés e Elias, vultos da antiga dispensação e que apareceram também glorificados ao lado de Jesus, representam apropriadamente os dois grupos de salvos quando Jesus voltar - pela ordem, os que ressuscitarão e os que serão trasladados sem ver a morte. Este é o sentido prospectivo da transfiguração.
Pelas palavras de Judas 9, podemos inferir que Moisés morreu e ressuscitou para não mais morrer; nesse caso ele é o único vulto do Antigo Testamento, quanto se saiba, a ter desfrutado esta experiência, sendo, portanto, o único que poderia estar presente na transfiguração para representar os salvos ressurretos na volta de Jesus. Porém, quanto a Elias representando os salvos vivos naquele dia, sabemos não ter sido ele o único transladado sem ver a morte. Enoque passou pela mesma experiência e poderia igualmente representar aquele grupo. Então, por que esteve com Jesus, naquele momento de glória, Elias e não Enoque? A razão é mais que uma simples questão da soberania divina indicando este ou aquele para estar com Jesus. Ela se relaciona com o sentido retrospectivo da transfiguração, comentado a seguir.

Realidade Passada

            Um prelúdio de algo que ainda espera por acontecer não é tudo o que a transfiguração nos oferece. O evento suporta um sentido também retrospectivo, isto é, que evoca realidades do passado. O próprio Pedro diz que a transfiguração confirmou “a palavra profética” (2Pd 1:19), isto é, a mensagem profética do Antigo Testamento. De que forma?
            Pouco tempo antes Jesus havia anunciado aos discípulos o que esperava por Ele em Jerusalém: aprisionamento, julgamento, condenação e morte na cruz, sucedida pela ressurreição ao terceiro dia (Lc 9:22), tudo para cumprir o que as profecias previam (veja 18:31-33; 22:22). Isto foi um tremendo choque para os discípulos. Por compartilharem dos conceitos messiânicos populares da época (fruto de interpretação profética distorcida), supunham que realmente Cristo subiria a Jerusalém não para se encaminhar para a cruz, mas para se assentar no trono de Davi. Na ocasião Pedro falou pelos demais e foi devidamente repreendido por Jesus (Mt 16:22, 23).
            A transfiguração foi um ato misericordioso de Jesus para ajudar os discípulos a compreender a verdade e prepará-los para a difícil hora. Deveriam perceber que não entendiam corretamente as profecias e desconheciam o propósito divino. A presença de Moisés e Elias conversando com Jesus acerca de Sua morte em Jerusalém (Lc 9:31) era providencial para este propósito.
            Moisés e Elias estavam ali como representantes das duas grandes divisões do Antigo Testamento como adotada pelos judeus: a Lei e os Profetas. Eles representavam todos aqueles que haviam sido instrumentos de Deus na comunicação de Sua mensagem antes que Jesus viesse. Mais uma vez se pode observar que o tema fundamental dessa mensagem é o plano da redenção levado a efeito por Jesus. Por esta razão, apenas Elias poderia estar com Ele no monte, já que Enoque, um dos patriarcas antediluvianos (Gn 5:21-14), não poderia representar a segunda divisão do Antigo Testamento.
            Mas os discípulos demoravam para entender. Mais uma vez Pedro falou pelos demais, e falou uma impropriedade: “Mestre, bom é estarmos aqui; então façamos três tendas [o que lembra o tabernáculo no deserto]: uma será Tua, outra de Moisés e outra de Elias.” Ele fez esta sugestão “não sabendo, porém, o que dizia” (Lc 9:31). Estava colocando Jesus no mesmo nível dos profetas anteriores e isso não podia ser feito. Então, o próprio Pai o repreendeu: “Este é o Meu Filho, o Meu eleito: a Ele ouvi” (v. 35). Era Deus reivindicando as prerrogativas do Filho como a revelação encarnada, o próprio Deus enviado na forma de profeta. Na verdade o Pai estava dizendo: “É Ele Quem tem a palavra final; é Ele Quem deve falar.” Toda a revelação dada anteriormente tem o seu valor na medida em que é interpretada à luz do que Jesus tem a dizer. “Depois daquela voz, achou-se Jesus sozinho” (v. 36). Ele é único, singular; ninguém se iguala a Ele, e a revelação feita nEle e por meio dEle deve nortear a compreensão da revelação comunicada em qualquer época e por qualquer meio.

Reino Espiritual

            Julgamos ser este fato de importância capital agora, quando especulações proféticas e interpretações distorcidas estão na ordem do dia. uma tendência crescente de se estudar as profecias descentralizando-as de Cristo. Linhas interpretativas que ignoram a revelação final e normativa feita por Cristo conforme registrada no Novo Testamento devem ser rejeitadas, se não queremos enveredar pelo mesmo caminho do judaísmo do tempo de Jesus. É o caso do  dispensacionalismo, que exige das profecias referentes a Israel no Antigo Testamento um cumprimento literal e incondicional, uma interpretação que se fundamenta numa compreensão antes étnica do que espiritual de quem é o povo de Deus, e que se manifesta num caráter mais palestinocêntrico do que cristocêntrico.
            Como Louis F. Were observa com muita propriedade às páginas 19, 21 e 23 do livro The Moral Purpose of Prophecy, a história da interpretação literalística das profecias, feita pelos judeus dos tempos de Jesus, se repete no sistema futurista de interpretação (este e outros sistemas de interpretação serão futuramente explicados). Entre outras ponderações, ele afirma: “A menos que nossas interpretações das profecias revelem a Cristo, nós também fracassaremos em compreender o seu verdadeiro significado. Os judeus acabaram rejeitando a Cristo porque interpretaram mal as profecias concernentes a Israel. Eram rígidos literalistas, sem discernimento espiritual. Semelhantemente hoje, milhares de professos cristãos estudam as profecias e as aplicam mal, seguindo o exemplo dos judeus. A história está se repetindo. Muitos cristãos professos estão caindo no mesmo erro de interpretar as profecias relativas a ‘Israel’ num sentido palestiniano literal, deixando de ver que os judeus, justamente por seguirem este sistema de interpretação, rejeitaram a Cristo e a seu reino espiritual, crucificaram-nO, e perderam o direito às bênçãos prometidas. Da mesma forma hoje, através do sistema literal, palestinocêntrico de interpretação - o futurismo - pessoas são levadas a interpretar mal e mesmo rejeitar a última mensagem de Cristo acerca dos últimos eventos no reino espiritual de Israel.” (Itálicos originais do autor)
            A mensagem do Novo Testamento com respeito a Jesus como revelação plena, final e normativa de Deus e Seu propósito de salvação, é decisiva para a verdadeira compreensão do conteúdo profético da Bíblia. Ignorar esta mensagem é expor-se ao risco de compreender mal o que foi exposto para o nosso bem. E compreender mal a verdade é outra maneira de acabar crendo no engano, o que resultará em grande perda.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Tema 04

Você Já Ouviu Falar em Escatologia?

 José Carlos Ramos
Engenheiro Coelho, fevereiro de 2013
                                                                                                                                                                                                                                                                      
            Além de absoluta, a revelação de Deus em Cristo é também final. Esse fato comunica uma dimensão escatológica a esta revelação. Escatologia é um termo de origem grega que se refere aos eventos finais da história do mundo, tais como a 2ª vinda de Jesus, a ressurreição dos mortos, o milênio, etc. Os tempos escatológicos, anunciados desde o Antigo Testamento, se fizerem presentes em Jesus e transcorrem a partir dEle (At 2:17, 22; 1Co 10:11; Hb 1:2; 9:26; 1Pd 1:20; 1Jo 2:18). Com Ele chegou a “plenitude do tempo” (Gl 4:4) quando Deus executou Seu ato soberano e definitivo de salvação (Ef 1:7-10).
            Um estudo mais ponderado dos eventos escatológicos nos leva a compreendê-los como possuindo um duplo caráter de cumprimento: em Cristo e na História, este resultante daquele. Porque tudo se cumpre primeiramente em Cristo, podemos ter certeza de que tudo se cumprirá, em seu devido tempo, na História (ver Mt 5:17, 18); não há como deter as profecias em seu cumprimento histórico, uma vez que estão cumpridas em Cristo. Não pensar assim é ignorar que do ato salvífico fundamental de Deus em Cristo decorre Sua ação salvífica em todas as épocas e lugares. Portanto os atos salvíficos finais de Deus na História, justamente o que dá conteúdo à escatologia, são dependentes daquilo que Deus operou em Cristo. Eles se projetam na História como atos já consumados nEle.
            Isto significa que não podemos obter senão um quadro parcial e até mesmo distorcido da escatologia bíblica, quando não a consideramos em seus 3 distintos aspectos: realizada, inaugurada e intensificada. O último lance escatológico é naturalmente a consumação final, quando este velho mundo de pecado cederá lugar ao mundo restaurado de Deus. Então os eventos escatológicos, que até agora estão plenamente cumpridos apenas em Cristo, terão obtido pleno cumprimento também na História.

A Escatologia Realizada em Cristo

            A escatologia deve, portanto, ser vista antes de tudo como plenamente realizada em Cristo. De alguma forma o tão esperado e anunciado “dia do Senhor” irrompeu na História com o primeiro advento. H. H. Rowley observa a esse respeito que “enquanto Deus era crido estar sempre ativo no plano da História, usando a natureza e os homens para cumprir Seus objetivos, o Dia do Senhor era encarado como o dia de uma ação mais direta e clara.” (The Faith of Israel, pág. 179). Esta, inequivocamente, pode ser contemplada no ministério terrestre de Jesus, que culmina com Sua morte, ressurreição e ascensão. E é precisamente porque a ação divina ocorre clara e distintamente em Cristo, que o “dia do Senhor” deverá ocorrer em caráter definitivo na consumação da História.
            Em Cristo, de alguma forma, o mundo chegou ao fim. O ato de Deus executar o plano da redenção em Cristo, fato para o qual converge, como já se viu, o todo da ação salvífica de Deus na História, é, usando a linguagem do Dr. Bornkamm, “um evento neste tempo e neste mundo, e, simultaneamente, um evento que põe um fim e um limite a este tempo e a este mundo.” (Jesus of Nazareth, pág. 184).
            Esta é uma verdade solene e suficientemente profunda para a comentarmos aqui em seus pormenores. Devemos lembrar, todavia, que ao morrer na cruz Cristo viveu a experiência de um mundo mau e perdido que deverá agonizar e definitivamente passar no tempo estabelecido por Deus. As palavras de Cristo no contexto da crucifixão, “se em lenho verde fazem isto, que será no lenho seco?” (Lc 23:31), denotam que o mundo enfrentará também o seu calvário; ele chegará ao seu fim. Mas esse passamento final do mundo poderia ser evitado caso ele aceitasse a Jesus como o seu Salvador e Senhor. Foi para isso que Ele sofreu, agonizou e morreu; Ele o fez por ter assumido a culpa e penalidade de toda a raça, tornando-se a expiação pelos pecados “do mundo inteiro” (1Jo 2:2). Mas rejeitando a própria remissão o mundo enfrentará, por si mesmo, o seu calvário, para ceder lugar a um “mundo novo”, tal como Jesus morreu para depois ressuscitar imortal.
            Por outro lado, a ressurreição de Jesus substancia a imortalização daqueles que O aceitam. Tal imortalização ocorrerá igualmente na consumação final (1Co 15:51-55). Isto explica porque Jesus é qualificado como “as primícias” dos que dormem (v. 20). Sua ressurreição encabeça a dos salvos: “Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na Sua vinda” (v. 23). Ela é, na verdade, o prelúdio dos “novos céus” e da “nova terra” que emergirão quando este velho mundo desaparecer como resultado último da redenção cumprida na cruz. A palavra “primícias” faz referência aos primeiros cereais colhidos na Palestina. Porque toda a terra e sua produção eram um dom do Senhor e a Ele pertenciam, os hebreus eram instados a reconhecer esse fato e agradecer por ele oferecendo a Deus os primeiros frutos. A figura dos “primeiros frutos”, ou “primícias”, portanto, é muito apropriada para ilustrar a escatologia realizada, lembrando que incorporavam o todo da colheita.
            No plano da escatologia realizada, portanto, não é preciso aguardar a consumação final para que a “nova criação” ocorra. Ela já existe na pessoa de Cristo, e, por extensão, na experiência de Seus seguidores. Com efeito, “se alguém está em Cristo, é [não será] uma nova criação” (2Co 5:17, Nova Versão Internacional). Em outras palavras, a experiência do homem na salvação é, a partir da cruz, desfrutada em termos de uma realidade escatológica. Em Cristo os crentes chegaram “ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembleia” (Hb 12:22), fatos que, no plano da História, só ocorrerão na consumação final.

A Escatologia Realizada na História

            Entretanto, o mundo mau e pecaminoso ainda persiste. Em Cristo a era porvir se introduziu na História para coexistir até o fim com a atual. É o e o não ainda, claramente esboçados no Novo Testamento. A escatologia, que possui o caráter de realizada em Cristo, deve, em virtude desse fato, adquirir também o caráter de realizada na História. O processo dessa realização, que começou com o primeiro advento, ainda continua. Ele tem se desenvolvido na passagem dos séculos, e marcha agora para a sua culminação. Por isso dizemos que a escatologia bíblica, além de realizada em Cristo, deve ser entendida também como inaugurada por Cristo. Desde a morte, ressurreição e ascensão de Jesus, o mundo vive seus “últimos dias”. Satanás, “o deus deste século” (2Co 4:4), sabe “que pouco tempo lhe resta” (Ap 12:12). É esse fato que empresta significado à mensagem da iminência do fim, registrada repetidamente nas páginas do Novo Testamento. Embora a passagem do tempo possa ser constrangedora para nós devido a sensação de demora, devemos admitir que o plano divino está sendo cumprido e será plenamente concretizado. “Os desígnios de Deus não conhecem adiantamento, nem tardança.” (O Desejado de Todas as Nações, pág. 28.)
A descida do Espírito Santo no Pentecostes, o evangelho estendido aos gentios, a destruição de Jerusalém no ano 70, o predomínio medieval do anticristo e a reforma protestante, podem ser apontados, entre outros, como eventos distintamente escatológicos. De aproximadamente 250 anos para cá esses eventos têm-se intensificado numa evidência da proximidade do fim. Isso define o terceiro aspecto da escatologia bíblica, escatologia intensificada, que estabelece a última fase dos tempos escatológicos. Com base nas profecias, particularmente de Daniel e Apocalipse, datamos o início desse período final da História para 1798 (com uma possível antecipação para 1755 com o terremoto de Lisboa) a partir de quando o chamado “tempo do fim” se faz presente. É a essa fase que se aplicam as palavras de Ap 10:6, “já não haverá demora”, ou tempo, segundo o original. Com efeito, em 1844 termina o mais longo período profético das Escrituras, os 2300 dias/anos de Dn 8:14, cumprindo o que o anjo predissera ao profeta, de que esse período atingiria o “tempo do fim” (v. 19).
            Assim, com base no que Deus fez em Cristo há mais de 1900 anos, e substanciado pela maneira como Ele tem operado a partir de então, particularmente em nossos dias, podemos antecipar o momento em que Ele completará Sua obra de redenção e todas as coisas serão restauradas. Aquilo que antes foi realizado em Cristo deve atingir a plenitude, com sua realização na História e no universo. Então o plano salvífico de Deus estará plenamente consumado, não somente em sua execução, mas também no alcance de seus efeitos.
            Todos esses eventos proclamam em alta voz que o futuro já começou, e que Aquele que iniciou Sua boa obra “há de completá-la até o dia de Cristo Jesus” (Fl 1:6).