Tema 24
Apocalipse: auxílio
divino
na hora certa – Parte 02
Dr. José Carlos Ramos
Fevereiro, 2014
Na postagem anterior, considerei que o Apocalipse foi escrito num momento crucial da história do cristianismo. O fim do primeiro século se aproximava e a grande maioria daqueles que haviam conhecido pessoalmente a Jesus já não existiam. Do corpo apostólico, apenas João ainda vivia, contudo não por muito tempo mais, face à sua avançada idade. Duas situações adversas concorriam para a instabilidade da Igreja e o esmorecimento na fé. De um lado, o insidioso gnosticismo, com sua atraente proposta de posse da verdadeira vida por meio da gnosis, ou o conhecimento dos mistérios de Deus e de Seus propósitos. Ele fazia suas incursões e ganhava a cada dia novos adeptos dentre professos cristãos. A verdadeira fé estava sendo minada, e muitos simplesmente não percebiam o perigo. Encantavam-se com a ideia gnóstica de possuírem uma alma imortal, e com a perspectiva de, pela morte, terem-na libertada para o desfruto pleno da imortalidade. Assim, perdiam de vista o único recurso de salvação. A Igreja necessitava de uma nova “revelação de Jesus Cristo” como Senhor da glória e Salvador exclusivo. Essa revelação se tornou possível com o Apocalipse (ver 1:1). Esse livro faz coro com o restante do Novo Testamento ao afirmar que a única morte que liberta é a de Jesus (1:5), e que a ressurreição no dia de Sua segunda vinda é o único portal para a imortalidade (20:6). Outra situação, agora de caráter externo, igualmente ameaçava a Igreja: a intolerância imperial. Os fogos da perseguição já se avivavam, e a Igreja necessitava de um novo fortalecimento tal como apenas o Apocalipse poderia oferecer.
Culto ao Imperador
Um
dos últimos imperadores de Roma no primeiro século chamou-se Domiciano. Entre
outros abusos, ele reacendeu a prática do culto
ao imperador, intensificando uma situação que inevitavelmente resultou
em perseguição contra os seguidores de Jesus.
A partir do segundo
século a.C., quando os exércitos romanos avançavam com suas campanhas para a
formação de um grande império, depararam uma variedade de cultos e crendices
religiosas. Cada nação conquistada possuía seus próprios deuses, a quem adorava
de forma específica. Cedo os conquistadores entenderam que a tolerância
religiosa seria conveniente, desde que condicionada ao reconhecimento da
“divindade” de Roma.
Com o tempo, o
culto a Roma foi sendo suplantado pela adoração aos imperadores mortos, e,
então, àquele que exercia o domínio. Com isso, os romanos alegavam que, muito
ao contrário de proibirem o culto local, estavam na verdade incrementando-o.
Mas o que de fato objetivavam era a unificação religiosa e política do Império.
Tal
condição foi acatada como verdadeiro privilégio na região da Ásia Menor, cujos
habitantes devotavam grande estima pelos mandatários romanos. Em 195 a .C., um templo foi
levantado em Esmirna em homenagem a deusa Roma. Em 29 a .C., sob César Augusto,
outro templo foi erigido, agora em Éfeso, para a adoração conjunta de Roma e
Júlio César, enquanto que um terceiro era construído em Pérgamo em homenagem ao
próprio Augusto.
Tibério sucedeu
a esse imperador e foi sucedido por Calígula em 37 a.D., um lunático que
pretendia deificação absoluta. Após a morte de Calígula em 41, o culto ao
imperador caiu em desuso, até que Domiciano, uns 40 anos mais tarde, começou a
reinar, e o reativou. Suetônio, historiador romano, registra que Domiciano
expedia os decretos imperiais encabeçando-os com os termos: “O vosso senhor e vosso
deus Domiciano assim ordena...”
O Apoio
Indispensável
As
províncias romanas da Ásia, precisamente onde agora se localizavam as sete
igrejas referidas no Apocalipse e às quais o livro foi particularmente
endereçado, novamente acataram com entusiasmo o referido culto, e os cristãos
ali defrontaram um momento crítico. Na verdade, em todos os lugares sofreram
eles os efeitos da determinação imperial, e começaram a ser perseguidos; mas isso
ocorreu, em especial, na Ásia. O momento era realmente difícil. Como afirmei, a
Igreja entrava para o segundo século e não podia então nem mesmo contar com o
precioso apoio espiritual dos apóstolos, já que quase todos estavam mortos.
Restava apenas o idoso João. Mas como receber nesse momento o apoio apostólico
indispensável, se o único apóstolo sobrevivente fora banido para a colônia
penal de Patmos, justamente por decreto de Domiciano, o perseguidor da Igreja?
Foi
nessa hora decisiva que Deus atuou em benefício do Seu povo, dando a João as
revelações que proveram o conteúdo do Apocalipse. Fazia-se necessário um novo
vislumbre do Cristo glorificado, um vislumbre que viesse fortalecer a Igreja na
certeza do Seu amor, sabedoria e poder. Outorgando o Apocalipse, Deus deu à Sua
atribulada Igreja um vislumbre das realidades celestiais. Jesus transcendia em
glória, majestade e poder, infinitamente mais que o maior imperador terreno; e,
o que era mais importante, os cristãos poderiam contar com o Seu desvelo,
interesse, e direção. Mesmo diante da morte não deveriam temer, pois o Senhor,
a quem serviam, havia triunfado sobre ela e sobre todos os demais inimigos; e
tal triunfo pertencia também a eles. “Não temas as coisas que tens de sofrer...
Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap 2:10).
Conclusão: Apocalipse, Auxílio Divino Hoje
Ser cristão hoje
aparenta ser mais fácil que no tempo em que o Apocalipse foi escrito. Afinal,
não existe por aí nenhum rei ou presidente
reclamando adoração e serviço. Há liberdade de consciência e de culto.
Não
nos iludamos, porém! O verdadeiro cristianismo nunca contou nem contará com a
aquiescência e o louvor do mundo, pois Satanás é o real inimigo do povo de Deus
em qualquer época ou lugar. As condições
aparentemente favoráveis do momento não perdurarão indefinidamente. O
Apocalipse afirma que poderes
despóticos e antagônicos estarão de volta, e a intolerância e perseguição
contra os que querem servir correta e
fielmente a Deus caracterizarão os últimos dias da História (ver os capítulos
12, 13 e 17). Por outro lado, vive-se
hoje a época áurea da proliferação do engano. Como Cristo afirmou que seria,
a iniqüidade se multiplica e o amor “de quase todos” pela verdade está cada vez
mais frio (Mt 24:12).
É
imperativo que nos familiarizemos agora com as orientações da Palavra de Deus,
e que nos apoderemos deste maravilhoso vislumbre de glória, poder e majestade
divinos que o Apocalipse nos oferece. Mais que nunca, a certeza do amor de
Jesus, a confiança de que os propósitos de Deus estão sendo e continuarão a ser
plenamente cumpridos, e de que finalmente a Igreja estará vitoriosa no reino
celestial, precisam ser constantemente reafirmadas e consolidadas em nossa experiência
cristã.
Só assim estaremos seguros e marcharemos triunfantes para
o glorioso dia da volta de Jesus a este mundo. Só assim teremos as promessas
apocalípticas de alegria e felicidade eternas plenamente cumpridas em nós e
para nós. Só assim constataremos que de fato o Apocalipse é auxílio divino na
hora certa.