domingo, 16 de fevereiro de 2014

Tema 24

Apocalipse: auxílio divino
na hora certa – Parte 02

Dr. José Carlos Ramos
Fevereiro, 2014

      Na postagem anterior, considerei que o Apocalipse foi escrito num momento crucial da história do cristianismo. O fim do primeiro século se aproximava e a grande maioria daqueles que haviam conhecido pessoalmente a Jesus já não existiam. Do corpo apostólico, apenas João ainda vivia, contudo não por muito tempo mais, face à sua avançada idade.                                                             Duas situações adversas concorriam para a instabilidade da Igreja e o esmorecimento na fé.                                                                 De um lado, o insidioso gnosticismo, com sua atraente proposta de posse da verdadeira vida por meio da gnosis, ou o conhecimento dos mistérios de Deus e de Seus propósitos. Ele fazia suas incursões e ganhava a cada dia novos adeptos dentre professos cristãos. A verdadeira fé estava sendo minada, e muitos simplesmente não percebiam o perigo. Encantavam-se com a ideia gnóstica de possuírem uma alma imortal, e com a perspectiva de, pela morte, terem-na libertada para o desfruto pleno da imortalidade. Assim, perdiam de vista o único recurso de salvação.                                          A Igreja necessitava de uma nova “revelação de Jesus Cristo” como Senhor da glória e Salvador exclusivo. Essa revelação se tornou possível com o Apocalipse (ver 1:1). Esse livro faz coro com o restante do Novo Testamento ao afirmar que a única morte que liberta é a de Jesus (1:5), e que a ressurreição no dia de Sua segunda vinda é o único portal para a imortalidade (20:6).                       Outra situação, agora de caráter externo, igualmente ameaçava a Igreja: a intolerância imperial. Os fogos da perseguição já se avivavam, e a Igreja necessitava de um novo fortalecimento tal como apenas o Apocalipse poderia oferecer.

Culto ao Imperador
           
    Um dos últimos imperadores de Roma no primeiro século chamou-se Domiciano. Entre outros abusos, ele reacendeu a prática do culto ao imperador, intensificando uma situação que inevitavelmente resultou em perseguição contra os seguidores de Jesus. 
      A partir do segundo século a.C., quando os exércitos romanos avançavam com suas campanhas para a formação de um grande império, depararam uma variedade de cultos e crendices religiosas. Cada nação conquistada possuía seus próprios deuses, a quem adorava de forma específica. Cedo os conquistadores entenderam que a tolerância religiosa seria conveniente, desde que condicionada ao reconhecimento da “divindade” de Roma.
    Com o tempo, o culto a Roma foi sendo suplantado pela adoração aos imperadores mortos, e, então, àquele que exercia o domínio. Com isso, os romanos alegavam que, muito ao contrário de proibirem o culto local, estavam na verdade incrementando-o. Mas o que de fato objetivavam era a unificação religiosa e política do Império.
      Tal condição foi acatada como verdadeiro privilégio na região da Ásia Menor, cujos habitantes devotavam grande estima pelos mandatários romanos. Em 195 a.C., um templo foi levantado em Esmirna em homenagem a deusa Roma. Em 29 a.C., sob César Augusto, outro templo foi erigido, agora em Éfeso, para a adoração conjunta de Roma e Júlio César, enquanto que um terceiro era construído em Pérgamo em homenagem ao próprio Augusto.
      Tibério sucedeu a esse imperador e foi sucedido por Calígula em 37 a.D., um lunático que pretendia deificação absoluta. Após a morte de Calígula em 41, o culto ao imperador caiu em desuso, até que Domiciano, uns 40 anos mais tarde, começou a reinar, e o reativou. Suetônio, historiador romano, registra que Domiciano expedia os decretos imperiais encabeçando-os com os termos: “O vosso senhor e vosso deus Domiciano assim ordena...”

                                  O Apoio Indispensável

      As províncias romanas da Ásia, precisamente onde agora se localizavam as sete igrejas referidas no Apocalipse e às quais o livro foi particularmente endereçado, novamente acataram com entusiasmo o referido culto, e os cristãos ali defrontaram um momento crítico. Na verdade, em todos os lugares sofreram eles os efeitos da determinação imperial, e começaram a ser perseguidos; mas isso ocorreu, em especial, na Ásia. O momento era realmente difícil. Como afirmei, a Igreja entrava para o segundo século e não podia então nem mesmo contar com o precioso apoio espiritual dos apóstolos, já que quase todos estavam mortos. Restava apenas o idoso João. Mas como receber nesse momento o apoio apostólico indispensável, se o único apóstolo sobrevivente fora banido para a colônia penal de Patmos, justamente por decreto de Domiciano, o perseguidor da Igreja?
      Foi nessa hora decisiva que Deus atuou em benefício do Seu povo, dando a João as revelações que proveram o conteúdo do Apocalipse. Fazia-se necessário um novo vislumbre do Cristo glorificado, um vislumbre que viesse fortalecer a Igreja na certeza do Seu amor, sabedoria e poder. Outorgando o Apocalipse, Deus deu à Sua atribulada Igreja um vislumbre das realidades celestiais. Jesus transcendia em glória, majestade e poder, infinitamente mais que o maior imperador terreno; e, o que era mais importante, os cristãos poderiam contar com o Seu desvelo, interesse, e direção. Mesmo diante da morte não deveriam temer, pois o Senhor, a quem serviam, havia triunfado sobre ela e sobre todos os demais inimigos; e tal triunfo pertencia também a eles. “Não temas as coisas que tens de sofrer... Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap 2:10). 

Conclusão: Apocalipse, Auxílio Divino Hoje 

      Ser cristão hoje aparenta ser mais fácil que no tempo em que o Apocalipse foi escrito. Afinal, não existe por aí nenhum rei ou presidente reclamando adoração e serviço. Há liberdade de consciência e de culto.
   Não nos iludamos, porém! O verdadeiro cristianismo nunca contou nem contará com a aquiescência e o louvor do mundo, pois Satanás é o real inimigo do povo de Deus em qualquer época ou lugar. As condições aparentemente favoráveis do momento não perdurarão indefinidamente. O Apocalipse afirma que poderes despóticos e antagônicos estarão de volta, e a intolerância e perseguição contra os que querem servir correta e fielmente a Deus caracterizarão os últimos dias da História (ver os capítulos 12, 13 e 17). Por outro lado, vive-se hoje a época áurea da proliferação do engano. Como Cristo afirmou que seria, a iniqüidade se multiplica e o amor “de quase todos” pela verdade está cada vez mais frio (Mt 24:12).
     É imperativo que nos familiarizemos agora com as orientações da Palavra de Deus, e que nos apoderemos deste maravilhoso vislumbre de glória, poder e majestade divinos que o Apocalipse nos oferece. Mais que nunca, a certeza do amor de Jesus, a confiança de que os propósitos de Deus estão sendo e continuarão a ser plenamente cumpridos, e de que finalmente a Igreja estará vitoriosa no reino celestial, precisam ser constantemente reafirmadas e consolidadas em nossa experiência cristã.
    Só assim estaremos seguros e marcharemos triunfantes para o glorioso dia da volta de Jesus a este mundo. Só assim teremos as promessas apocalípticas de alegria e felicidade eternas plenamente cumpridas em nós e para nós. Só assim constataremos que de fato o Apocalipse é auxílio divino na hora certa.