quarta-feira, 18 de junho de 2014

O Livro das Bem-Aventuranças - parte 3

Tema 27


O Livro das Bem-Aventuranças - parte 3

Dr. José Carlos Ramos
Junho de 2014


            Deus registra sete maravilhosas bem-aventuranças no Apocalipse e nos assegura que, apesar dos conturbados dias em que vivemos, podemos desfrutar a genuína felicidade, a nós garantida pelo sacrifício de Jesus.
            Como visto na postagem anterior, a primeira dessas bem-aventuranças é proferida em favor daqueles que estudam as profecias bíblicas “e guardam as coisas nelas escritas” (Ap 1:3), em razão de estar próximo a chegada do Reino de Deus. Se queremos ser felizes agora, temos que nos familiarizar com os propósitos divinos de salvação. Em breve Jesus voltará a Terra para buscar os Seus seguidores, e cumpre-nos estar preparados para o encontro com Ele. Inegavelmente o conhecimento da Bíblia e a aplicação de Seus ensinos à vida são fundamentais para este preparo.

Bem-Aventurados os Que Morrem

            Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham. (Ap 14:13)
            A segunda bem-aventurança apocalíptica envolve o temido evento da morte. É maravilhoso ver como Deus, através do plano da redenção, conseguiu transformar um veículo de tristeza, dor e decadência, num fator de exultação e triunfo. Não que a morte por si mesma seja uma vitória, ou meio de salvação. A única morte que salva é a de Jesus, e o genuíno crente quando morre tem sua salvação assegurada; portanto, é bem-aventurado.
             Porque a morte de Jesus é a única que salva, são felizes somente aqueles que “morrem no Senhor”. Morrer no Senhor é morrer crendo nEle, tendo-O aceitado como Salvador pessoal e Senhor da vida. Os que morrem “no Senhor” não ficarão para sempre na sepultura. Ressuscitarão no dia de Sua volta para se encontrar com Ele e permanecer com Ele para sempre (1Ts 4:16 e 17). Pode haver certeza mais confortadora?
            Ao contrário da morte significar o fim de todas as coisas, ela é apenas uma pausa até que Jesus retorne; um merecido descanso para aqueles que fielmente labutaram por Ele nesse mundo. O Apocalipse toca esse ponto ao considerar felizes os que  “morrem no Senhor,... para que descansem das suas fadigas”. Também aqui o Apocalípse faz coro com outras partes do Novo Testamento, onde a morte é comparada ao sono (ver Jo 11:11, 14; 1Co 15:51; 1Ts 4:13, 15). Da mesma forma que depois de um dia de trabalho recolhemo-nos ao leito para o repouso da noite, confiantes que, ao despertar, estaremos revigorados para um novo dia, assim os que morrem em Jesus adormecem para serem despertados na manhã da ressurreição, para viverem a vida eterna.

Morte e Ressurreição

            A Bíblia não reconhece que o crente entra na glória imediatamente ao morrer, como determina o conceito popular da imortalidade da alma. Se tal realmente ocorresse, o Apocalipse simplesmente o declararia em sua segunda bem-aventurança, pois, não há, afinal, bem-aventurança maior que nos unirmos a Jesus em Seu reino. Deveríamos então ler que bem-aventurados são os que morrem no Senhor porque se transladam para o céu. Mas não é isso o que está escrito. Em consonância com o restante do Novo Testamento, o Apocalipse igualmente afirma que será exclusivamente através da ressurreição que finalmente os remidos passarão a reinar com Cristo (20:6).
            Isto foi exatamente o que Jesus prometeu quando esteve entre nós: “A vontade de quem Me enviou é esta: que nenhum Eu perca de todos os que Me deu; pelo contrário, Eu o ressuscitarei no último dia. De fato a vontade de Meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele crer, tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.” (Jo 6:39, 40; ver também o v. 44. Grifos acrescentados). Prometeu ainda que os crentes, de fato, subirão à casa do Pai, mas somente ao vir buscá-los (Jo 14:1-3). Não faz sentido a promessa de que Jesus virá para levar os remidos para o Céu, se eles já se encontram lá antes que Ele volte.
            Segundo Paulo, os crentes aguardam o momento da volta de Jesus para só então serem revestidos de imortalidade (1Co 15:52, 53), e  se reunirem com Ele (1Ts 4:16, 17). Isto é tão certo que o apóstolo chega a afirmar que, não havendo ressurreição, os que “morreram em Cristo pereceram” (1Co 15:18), ou “estão perdidos”, como registram algumas versões. Em outras palavras, a recepção e o desfruto da imortalidade se efetivam exclusivamente a partir da ressurreição que ocorrerá quando Jesus voltar. Se Ele não retornar para ressuscitar os que morreram na fé, ninguém está salvo nem se salvará. Mas, graças a Deus, Ele irá voltar.

“Desde Agora”

            Naturalmente, os que em qualquer época morrem “no Senhor” são bem-aventurados. Mas o Apocalipse registra “os que morrem desde agora”. Desde agora quando? O contexto literário dessa bem-aventurança responde a questão. Os sete versos anteriores falam de uma tríplice mensagem angélica sendo proclamada em todo o mundo (Ap 14:6-12). Como o quadro apocalíptico imediato é o da volta de Jesus (vv. 14-16), entendemos que ela sintetiza a última mensagem de salvação a ser proclamada antes que venha o fim.
            A primeira destas mensagens anuncia a chegada da hora do juízo e conclama a humanidade a temer a Deus, e a dar-lhe glória e adorá-lO (v. 7). A segunda e terceira advertem a todos contra os enganos de Babilônia, a adoração à besta e à sua imagem, e a recepção de sua marca na testa ou na mão (vv. 8-11). É a maneira do Apocalipse se referir à operação de poderes anticristãos nos últimos dias (prontos a efetuar sua terrível obra de engano e destruição) e à necessidade de não nos deixarmos iludir.
            Um estudo de profecias pertinentes a estes temas, principalmente no livro de Daniel, leva-nos à conclusão de que estas mensagens passaram a ser pregadas a partir de 1844, ano em que, de acordo com estas profecias, teve início a obra do julgamento divino no céu e da restauração das verdades bíblicas na Terra. Portanto, é especificamente aos que morrem no Senhor a partir desse tempo que a segunda bem-aventurança apocalíptica se aplica em especial. Este fato está em paralelo com a bem-aventurança de Daniel 12:12: “Bem-aventurado o que espera e chega até mil trezentos e trinta e cinco dias”, período que nos conduz igualmente ao tempo aqui referido.
            Mas por que são bem-aventurados os que morrem no Senhor desde 1844? Pelo menos cinco razões podem ser sugeridas como resposta: (1) não morrem sem primeiro testemunhar o processo de restauração das verdades de Deus, as quais, por um bom tempo antes, estiveram jogadas por terra (ver Dn 8:12); (2) morrem na certeza de que os propósitos divinos de salvação estão para ser consumados, segundo é indicado pelo cumprimento das profecias referentes aos últimos dias da História; (3) são recolhidos antes que sobrevenha o terrível “tempo de angústia”, ou da “grande tribulação”, que antecederá a volta de Jesus (Dn 12:1; Ap 7:14); (4) morrem para serem imediatamente vindicados pelo grande Juiz; e (5) ressuscitarão um pouco antes dos demais salvos, para contemplar, em todo o seu esplendor, a volta de Jesus a este mundo (Dn 12:2).

Conclusão


            Aceitar a Jesus como Salvador é o maior privilégio conferido a mortais, porque a fé fundamentada nEle avança triunfante para além da morte, e colocará seu possuidor na companhia de Deus no Reino eterno. Com efeito, os que morrem no Senhor são bem-aventurados porque nada deste mundo, nem mesmo a morte, será capaz de separá-los “do amor de Deus que está em Cristo Jesus nosso Senhor” (Rm 8:38, 39). Glória, pois, ao Seu nome!

terça-feira, 27 de maio de 2014

O Livro das Bem-Aventuranças - parte 2

Tema 26

O Livro das Bem-Aventuranças - parte 2

Dr. José Carlos Ramos
Junho de 2014


            Na postagem anterior observamos que toda a Bíblia, e particularmente o Apocalipse, é um livro de bem-aventuranças. Deus providenciou o plano da redenção porque almeja ver-nos felizes. De acordo com as profecias bíblicas, este plano avança agora para a sua culminação. É neste contexto que as sete bem-aventuranças apocalípticas são apresentadas. Comecemos com a primeira.

Bem-Aventurados por Ler, Ouvir e Guardar

            Bem-aventurados aqueles que leem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo (Ap 1:3).

            Aqui está sendo invocada uma bênção sobre aqueles que dão atenção à Palavra de Deus. Ler, ouvir e guardar refletem não apenas uma atitude de respeito ao que Deus comunica, mas também de interesse em Seus propósitos e de disposição para o cumprimento de Sua vontade.
            O texto parece apontar para 2 grupos de pessoas: “aqueles que lêem e aqueles que ouvem.” Na época em que o Apocalipse foi escrito o milagre da imprensa ainda não havia ocorrido. Os livros geralmente tinham a forma de pergaminho e eram escritos à mão. Não havia grande disponibilidade de cópias. Na melhor das hipóteses, uma determinada igreja possuía uma cópia de algum livro sagrado, que era usada para estudo nas reuniões regulares. O líder da comunidade era o responsável pela leitura, enquanto os demais limitavam a ouvir.
            À luz desse fato, temos que convir que somos privilegiados. Cada pessoa pode hoje possuir uma Bíblia, e pode, ela mesma, estudar sua mensagem. Existem, todavia, aqueles, que por alguma razão, não conseguem ler. A bênção é para eles também, pois podem ouvir. E mesmo os que nem ouvir podem, o meio de comunicação que empregam capacita-os a tomar conhecimento da mensagem de Deus, e, se a receberem, são igualmente abençoados.
            Ler é importante, ouvir é importante, mas o mais importante de tudo é aplicar à vida o que Deus diz. Observe que nesse ponto, a bem-aventurança é dirigida a apenas um grupo de pessoas: “os que guardam”. O modo como você toma conhecimento da vontade divina é secundário. Não importa se você lê, ou se você apenas ouve; importa, sim, que você coloque em prática aquilo que aprendeu de Deus. Aí você será bem-aventurado.

O Tempo Está Próximo

            A razão porque devemos ler, ouvir e observar as palavras proféticas é explicitamente apresentada: “o tempo está próximo”. Existem duas palavras gregas que significam tempo: chronos e kairós. A primeira, de onde vem a palavra cronologia, é tempo que passa, que escoa, como na pergunta: há quanto tempo você mora aqui? A segunda é tempo no sentido de ocasião, o momento próprio, etc., como quando dizemos que a primavera é o tempo das flores. Neste texto, tempo é a tradução de kairós, e indica o tempo da restauração de todas as coisas, o momento glorioso da volta de Jesus a este mundo, quando todas as promessas de Deus alcançarão pleno cumprimento. É para esse momento que o Apocalipse aponta como estando próximo.
            A Bíblia é clara em afirmar que ninguém sabe exatamente quando ocorrerá a volta de Jesus (Mt 24:36), o que torna simplesmente fútil toda especulação. Mas ela insiste na iminência deste acontecimento, pois a morte pode ocorrer a qualquer momento, e uma vez ocorrida, o destino da pessoa está selada, ou para a ressurreição da vida, ou para a ressurreição do juízo, da condenação (ver Jo 5:28, 29).
            Por outro lado, as profecias bíblicas descrevem como serão as coisas quando o próprio evento da volta de Jesus estiver próximo. Não nos cabe relacioná-las agora. Lembramos apenas que os fatos atuais do dia-a-dia da vida política, social, religiosa, moral, cultural e econômica do mundo indicam que Jesus está para chegar. O desequilíbrio notado hoje na natureza, os crimes ecológicos, o aumento da miséria, da violência e da insegurança, os avanços científicos, o culto ao sexo e às drogas, a desestabilização da família, a ameaça de epidemias incontroláveis impostas pelas “novas doenças”, a aids como exemplo, não deixam dúvida: Cristo precisa regressar, e logo.

A Importância do Estudo Profético

A primeira bem-aventurança apocalíptica se aplica àqueles que se empenham em conhecer as profecias e viver segundo elas. Não se tem em vista aqui apenas as profecias do Apocalipse, mas as profecias bíblicas como um todo. Deus colocou profecias em Sua palavra para que, mediante o conhecimento delas, fôssemos ricamente abençoados.
Observemos 3 declarações específicas quanto ao valor do material profético para a orientação do povo de Deus:

(1) Crede no Senhor vosso Deus, e estareis seguros; crede nos Seus profetas, e prosperareis (2Cr 20:20).

Este texto nos lembra que o Senhor tem que ser o nosso Deus, e que nossa segurança se fundamenta no exercício da fé nEle. Crer em Deus significa viver por Sua palavra e de acordo com ela. Não é suficiente uma simples profissão de fé. A fé genuína é sempre dinâmica. Deus espera que Lhe consagremos a vida e Lhe sejamos obedientes. A mensagem dos verdadeiros profetas revelam a Palavra de Deus e Sua vontade, pois eles são os Seus porta-vozes. Daí a necessidade de crermos neles, se realmente queremos ser prósperos e felizes.
Israel nesta ocasião estava assediado por uma conjuração de inimigos dispostos a combatê-lo e destruí-lo (v. 1). Num momento tão crucial, a fé na mensagem profética levou o povo de Deus à vitória. Seria diferente hoje?

(2) Não havendo profecia o povo se corrompe, mas o que guarda a lei esse é feliz (Pv 29:18).

A falta do conhecimento de Deus é a causa de toda a degradação, miséria e morte. O mundo hoje está como está porque o temor de Deus se ausenta cada vez mais dos corações humanos. E quando o homem não teme a Deus, não temerá a ninguém mais. A falta de respeito às autoridades (a começar do seio da família), o aumento da violência e da criminalidade, a baixa moral do mundo, o descaso pelos princípios mais elementares de ordem e decência, o desinteresse pelas necessidades do próximo, tudo isso indica que Deus é um ilustre desconhecido nos domínios humanos.
Diante desse fato é impossível exagerar a importância da profecia para o nosso bem-estar.

(3) Temos assim tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atendê-la, como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em vossos corações (2Pd 1:19).

A mensagem profética é como uma lâmpada que brilha em meio às trevas. Um mundo sem Deus é um mundo que vive uma triste e horrenda noite. Pelas profecias, porém, sabemos que "vai alta a noite e vem chegando o dia" (Rm 13:12), pois Cristo está para voltar. Quando isto ocorrer, raiará a manhã eterna.
            Cristo ainda não veio, mas nem por isso precisamos estar em trevas. O estudo das profecias fará com que Jesus, a estrela da alva, Se entronize cada vez mais em nossos corações. E, como diz um lindo cântico, com Ele no barco tudo vai muito bem.

domingo, 30 de março de 2014

O Livro das Bem-Aventuranças - parte 1

Tema 25

O Livro das Bem-Aventuranças - parte 1

Dr. José Carlos Ramos
Março, 2014

            Os dicionários definem bem-aventurança em termos de felicidade absoluta e perfeita. Tendo em conta que Deus, em sua amorável solicitude por Suas criaturas, almeja que todos sejam autenticamente felizes, podemos considerar a Bíblia toda como um livro de bem-aventuranças. Ela contém as orientações divinas que, uma vez seguidas, tornar-nos-ão felizes nesta vida, e nos assegurarão a posse da vida eterna em Seu reino, onde jamais penetrarão a dor e a tristeza. “Bem-aventurado aquele que teme ao Senhor e anda nos Seus caminhos... feliz serás, e tudo te irá bem” (Sl 128:1, 2).

O Caráter Escatológico das Bem-Aventuranças do Novo Testamento

             A palavra grega makários, que significa bem-aventurado, feliz, é empregada umas 50 vezes pelos escritores do Novo Testamento, a maioria em alusão a alguém que se submete a Deus e aceita as provisões da redenção em Cristo. Revestem-se, portanto, de um colorido escatológico, isto é, relacionado com a manifestação final dos propósitos divinos de salvação.
Nada pode conferir maior senso de felicidade a um pecador que a consciência de ter sido perdoado por Deus e aceito por Ele como filho amado e herdeiro dos bens eternos. Não há uma situação mais ditosa, e tal experiência compensa qualquer dificuldade ou tribulação que porventura tenhamos de enfrentar na qualidade de seguidores de Cristo. Paulo afirmou com toda a confiança: “para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória por vir a ser revelada em nós” (Rm 8:18).
            Os Evangelhos de Mateus e Lucas se destacam no emprego de makários com mais da metade das referências de todo o Novo Testamento. Ambos os evangelistas registram o célebre sermão da montanha proferido por Jesus no princípio do Seu ministério. Este sermão é, de fato, a carta magna do reino de Jesus.
A versão de Mateus é a mais conhecida. Quem já não se emocionou lendo ou ouvindo aquelas abençoadas declarações que Jesus proferiu na abertura do Seu sermão? “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurado os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. Bem-aventurado os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurado os limpos de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurado os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados sois quando, por Minha causa, vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus” (Mt 5:1-12).

Apocalipse – o Livro das Bem-Aventuranças

O Apocalipse registra 7 vezes a palavra makários, quase todas na segunda metade do livro:

·    Bem-aventurados aqueles que leem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo (1:3).
·         Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham (14:13).
·      Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes para não andar nu, e não se veja a sua vergonha (16:15).
·         Bem-aventurados aqueles que são chamados para a ceia das bodas do Cordeiro (19:9).
·     Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com Ele os mil anos (20:6).
·         Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro (22:7)
·      Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras, para que lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem pela cidade pelas portas (22:14)

O número 7 sugere perfeição, plenitude, e o termo é empregado com uma ênfase que nenhuma outra parte do Novo Testamento poderia oferecer com tanta propriedade. Se é verdade que o emprego do termo no Novo Testamento apresenta um colorido escatológico, no Apocalipse, então, ele se volta inteiramente à consumação final. As bem-aventuranças apocalípticas são proferidas na perspectiva do que Deus realizou em nosso favor na pessoa de Jesus, do que Ele está fazendo agora, e daquilo que virá depois, quando a História tiver alcançado o seu grande clímax e o pecado sido extirpado definitivamente, abrindo espaço para a implantação do reino divino no mundo.
            Acho que isto nos autoriza a considerar o Apocalipse o livro das bem-aventuranças por excelência. Em algumas mentes, infelizmente, predomina a ideia de que o Apocalipse não é mais que um livro de maus presságios, cujos quadros fatídicos exibem o desfile de figuras enigmáticas comissionadas por Deus para cumprir uma terrível tarefa de destruição no mundo. Nada corresponderia melhor à irrealidade. Para muitos, é verdade, a simples palavra apocalipse desperta incerteza e temor. Mas a intranquilidade é fruto do pecado e não da ação divina, a qual visa apenas salvar. Tudo o que Apocalipse revela de medonho e triste tem a ver essencialmente com as consequências do pecado.
Naturalmente, o tratamento de Deus com toda essa problemática pode exigir uma atitude drástica, tal como um cirurgião à vezes se vê na necessidade de, para benefício do corpo, amputar um órgão gangrenado. As ações de Deus objetivam o bem maior da erradicação completa do pecado com todas as suas implicações. O pecado sempre foi e sempre será um fator de degradação e miséria, e quanto mais cedo desaparecer melhor. O que Deus mais almeja é conduzir a Terra ao seu estado original de perfeição. E a cirurgia, naturalmente, tem o seu lado doloroso. Jesus mesmo se referiu ao “princípio das dores” (Mt 24:8) ao falar dos sinais de Sua volta e do fim do mundo.
Estes mesmos sinais, entretanto, são um fator de ânimo e conforto para aqueles que almejam o reino de Deus (Lc 21:28). É apenas para aqueles que desprezam a graça divina e escolhem a senda do mal e da perdição, que o ato divino será de efeito desastroso. E este não é o teor apenas do Apocalipse. Toda a Bíblia revela que o futuro é muito sombrio para blasfemadores, hipócritas e infiéis.

Assim, para os que amam a Deus, o Apocalipse não é menos que um livro de bem-aventuranças. Meditemos um pouco nelas e ouçamos a voz de Deus assegurando uma vez mais que só temos a ganhar quando damos ouvidos à Sua voz e nos dispomos a fazer a Sua vontade.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Tema 24

Apocalipse: auxílio divino
na hora certa – Parte 02

Dr. José Carlos Ramos
Fevereiro, 2014

      Na postagem anterior, considerei que o Apocalipse foi escrito num momento crucial da história do cristianismo. O fim do primeiro século se aproximava e a grande maioria daqueles que haviam conhecido pessoalmente a Jesus já não existiam. Do corpo apostólico, apenas João ainda vivia, contudo não por muito tempo mais, face à sua avançada idade.                                                             Duas situações adversas concorriam para a instabilidade da Igreja e o esmorecimento na fé.                                                                 De um lado, o insidioso gnosticismo, com sua atraente proposta de posse da verdadeira vida por meio da gnosis, ou o conhecimento dos mistérios de Deus e de Seus propósitos. Ele fazia suas incursões e ganhava a cada dia novos adeptos dentre professos cristãos. A verdadeira fé estava sendo minada, e muitos simplesmente não percebiam o perigo. Encantavam-se com a ideia gnóstica de possuírem uma alma imortal, e com a perspectiva de, pela morte, terem-na libertada para o desfruto pleno da imortalidade. Assim, perdiam de vista o único recurso de salvação.                                          A Igreja necessitava de uma nova “revelação de Jesus Cristo” como Senhor da glória e Salvador exclusivo. Essa revelação se tornou possível com o Apocalipse (ver 1:1). Esse livro faz coro com o restante do Novo Testamento ao afirmar que a única morte que liberta é a de Jesus (1:5), e que a ressurreição no dia de Sua segunda vinda é o único portal para a imortalidade (20:6).                       Outra situação, agora de caráter externo, igualmente ameaçava a Igreja: a intolerância imperial. Os fogos da perseguição já se avivavam, e a Igreja necessitava de um novo fortalecimento tal como apenas o Apocalipse poderia oferecer.

Culto ao Imperador
           
    Um dos últimos imperadores de Roma no primeiro século chamou-se Domiciano. Entre outros abusos, ele reacendeu a prática do culto ao imperador, intensificando uma situação que inevitavelmente resultou em perseguição contra os seguidores de Jesus. 
      A partir do segundo século a.C., quando os exércitos romanos avançavam com suas campanhas para a formação de um grande império, depararam uma variedade de cultos e crendices religiosas. Cada nação conquistada possuía seus próprios deuses, a quem adorava de forma específica. Cedo os conquistadores entenderam que a tolerância religiosa seria conveniente, desde que condicionada ao reconhecimento da “divindade” de Roma.
    Com o tempo, o culto a Roma foi sendo suplantado pela adoração aos imperadores mortos, e, então, àquele que exercia o domínio. Com isso, os romanos alegavam que, muito ao contrário de proibirem o culto local, estavam na verdade incrementando-o. Mas o que de fato objetivavam era a unificação religiosa e política do Império.
      Tal condição foi acatada como verdadeiro privilégio na região da Ásia Menor, cujos habitantes devotavam grande estima pelos mandatários romanos. Em 195 a.C., um templo foi levantado em Esmirna em homenagem a deusa Roma. Em 29 a.C., sob César Augusto, outro templo foi erigido, agora em Éfeso, para a adoração conjunta de Roma e Júlio César, enquanto que um terceiro era construído em Pérgamo em homenagem ao próprio Augusto.
      Tibério sucedeu a esse imperador e foi sucedido por Calígula em 37 a.D., um lunático que pretendia deificação absoluta. Após a morte de Calígula em 41, o culto ao imperador caiu em desuso, até que Domiciano, uns 40 anos mais tarde, começou a reinar, e o reativou. Suetônio, historiador romano, registra que Domiciano expedia os decretos imperiais encabeçando-os com os termos: “O vosso senhor e vosso deus Domiciano assim ordena...”

                                  O Apoio Indispensável

      As províncias romanas da Ásia, precisamente onde agora se localizavam as sete igrejas referidas no Apocalipse e às quais o livro foi particularmente endereçado, novamente acataram com entusiasmo o referido culto, e os cristãos ali defrontaram um momento crítico. Na verdade, em todos os lugares sofreram eles os efeitos da determinação imperial, e começaram a ser perseguidos; mas isso ocorreu, em especial, na Ásia. O momento era realmente difícil. Como afirmei, a Igreja entrava para o segundo século e não podia então nem mesmo contar com o precioso apoio espiritual dos apóstolos, já que quase todos estavam mortos. Restava apenas o idoso João. Mas como receber nesse momento o apoio apostólico indispensável, se o único apóstolo sobrevivente fora banido para a colônia penal de Patmos, justamente por decreto de Domiciano, o perseguidor da Igreja?
      Foi nessa hora decisiva que Deus atuou em benefício do Seu povo, dando a João as revelações que proveram o conteúdo do Apocalipse. Fazia-se necessário um novo vislumbre do Cristo glorificado, um vislumbre que viesse fortalecer a Igreja na certeza do Seu amor, sabedoria e poder. Outorgando o Apocalipse, Deus deu à Sua atribulada Igreja um vislumbre das realidades celestiais. Jesus transcendia em glória, majestade e poder, infinitamente mais que o maior imperador terreno; e, o que era mais importante, os cristãos poderiam contar com o Seu desvelo, interesse, e direção. Mesmo diante da morte não deveriam temer, pois o Senhor, a quem serviam, havia triunfado sobre ela e sobre todos os demais inimigos; e tal triunfo pertencia também a eles. “Não temas as coisas que tens de sofrer... Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap 2:10). 

Conclusão: Apocalipse, Auxílio Divino Hoje 

      Ser cristão hoje aparenta ser mais fácil que no tempo em que o Apocalipse foi escrito. Afinal, não existe por aí nenhum rei ou presidente reclamando adoração e serviço. Há liberdade de consciência e de culto.
   Não nos iludamos, porém! O verdadeiro cristianismo nunca contou nem contará com a aquiescência e o louvor do mundo, pois Satanás é o real inimigo do povo de Deus em qualquer época ou lugar. As condições aparentemente favoráveis do momento não perdurarão indefinidamente. O Apocalipse afirma que poderes despóticos e antagônicos estarão de volta, e a intolerância e perseguição contra os que querem servir correta e fielmente a Deus caracterizarão os últimos dias da História (ver os capítulos 12, 13 e 17). Por outro lado, vive-se hoje a época áurea da proliferação do engano. Como Cristo afirmou que seria, a iniqüidade se multiplica e o amor “de quase todos” pela verdade está cada vez mais frio (Mt 24:12).
     É imperativo que nos familiarizemos agora com as orientações da Palavra de Deus, e que nos apoderemos deste maravilhoso vislumbre de glória, poder e majestade divinos que o Apocalipse nos oferece. Mais que nunca, a certeza do amor de Jesus, a confiança de que os propósitos de Deus estão sendo e continuarão a ser plenamente cumpridos, e de que finalmente a Igreja estará vitoriosa no reino celestial, precisam ser constantemente reafirmadas e consolidadas em nossa experiência cristã.
    Só assim estaremos seguros e marcharemos triunfantes para o glorioso dia da volta de Jesus a este mundo. Só assim teremos as promessas apocalípticas de alegria e felicidade eternas plenamente cumpridas em nós e para nós. Só assim constataremos que de fato o Apocalipse é auxílio divino na hora certa.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Apocalipse: auxílio divino na hora certa - Parte 01

Tema 23

Apocalipse: auxílio divino
na hora certa - Parte 01

Dr. José Carlos Ramos
Janeiro, 2014

            O maior livro profético da Bíblia, o Apocalipse, foi escrito para orientar, estimular e fortalecer a Igreja em todos os tempos. De fato, desde que fundada por Jesus, ela se viu em meio às tormentas e enganos de um mundo hostil e ameaçador, inimigo do bem e de quantos se colocam do lado de Deus e de Sua vontade. Cristo advertiu Seus seguidores a que não se iludissem com a ideia de que não enfrentariam dificuldades no trajeto para o céu. O evangelho da prosperidade, pregado por algumas igrejas atuais, não condiz com as claras afirmações bíblicas, de que todos aqueles “que querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2Tm 3:12), e de que “através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (At 14:22).
            Satanás, o rebelde inimigo de Deus e de Seu povo, tem empregado dois recursos básicos na tentativa de destruir a Igreja: a perseguição, motivada pelo preconceito e intolerância do mundo, e a disseminação do engano, para o quê ele forçaria a entrada nos domínios do cristianismo. E foi exatamente nesse contexto duplo de artifício satânico que o Apocalipse emergiu. O ano era 95AD, quando a Igreja enfrentava dois tipos de ameaça, uma interna, a adoção de conceitos pervertidos, e outra externa, a perseguição por parte do mundo. Naturalmente entendemos que a primeira, sutil e por isso perigosa, sempre resultou em maior dano espiritual. Consideremo-la inicialmente.

Ameaça interna

            No fim do I século, uma filosofia religiosa, grega de origem, conhecida como gnosticismo era difundida em todo o império romano. Sustentando múltipla expressão de pensamento e prática, o gnosticismo estava sendo, já por algum tempo, uma séria ameaça para a pureza doutrinária da fé cristã, com respeito principalmente à pessoa do Salvador, à natureza da criação divina, à natureza do ser humano, e à forma como este poderia ser redimido.
            Muitos na Igreja se sentiam atraídos por conjeturas que ofereciam uma lisonjeira perspectiva de superação dos obstáculos à posse plena da vida autêntica, disponível, segundo a filosofia, apenas àqueles que obtivessem o conhecimento dos mistérios divinos. Tal conhecimento, identificado como gnosis, era supostamente outorgado, é claro, àqueles que adotavam o gnosticismo. O cumprimento de certos rituais de iniciação conferia ao candidato o título de mystes, o que outorgava a obtenção progressiva de um conhecimento que, era crido, libertá-lo-ia e lhe daria uma condição superior de vida. Naturalmente as verdades do Evangelho eram distorcidas, e o pecador era acalentado num ilusório e fatal sentimento de segurança.
            Por esse tempo, alguns mestres cristãos deixavam transparecer suas tendências gnósticas. O gnosticismo tornara-se agora uma ameaça interna real. Entre esses mestres, destacava-se certo judeu cristão do Egito, formado em Alexandria, e que habilmente conseguiu revestir os ideais gnósticos com uma roupagem cristã. Chamava-se Cerinto e seus ensinos conspiravam contra a estabilidade da Igreja na Ásia Menor, particularmente Éfeso, o domicílio do apóstolo João em seus derradeiros anos.
            O que Cerinto ensinava? Como gnóstico, ele considerava a matéria essencialmente má. Deus não poderia ter criado diretamente o mundo, pois este é matéria, e Deus não Se relaciona com algo essencialmente mau. Deus, portanto, usara intermediários para criar. Um desses era Cristo, o qual não deveria ser confundido com Jesus, o vulto histórico que vivera na Palestina, e que, embora extraordinário, era um homem comum, filho natural de José e Maria. Cristo, entretanto, era espiritual, celestial e divino. Jesus e Cristo, portanto, eram distintos um do outro. Cristo se juntara a Jesus por ocasião do batismo, mas O abandonara pouco antes da cruz. Assim, a morte de Jesus não reunia qualquer valor salvífico. Ele fora apenas mais um mártir entre outros.
            Cerinto também ensinava uma escatologia antibíblica. Escatologia é a doutrina dos últimos acontecimentos, tanto para o ser humano individualmente, como para o mundo. Para o gnosticismo, a salvação começava para quem se apoderasse da gnosis. Tal aquisição contribuía para a libertação da alma, prisioneira que era de coisas ligadas à matéria. Todavia, a libertação plena e definitiva ocorria na morte. Para o gnóstico, o corpo era um cárcere, e quanto mais cedo a alma se livrasse dele, melhor. Portanto, a teoria da imortalidade da alma é de origem greco-pagã, e não é parte do cristianismo original.
            Em seu Evangelho e primeira Epístola, João combate frontalmente a dicotomia herética de Cerinto (tanto relativo ao homem como a Jesus) e outros enganos do gnosticismo. E no Apocalipse ele não deixa por menos. Já na abertura, João afirma que a revelação divina, o único meio de se obter a verdadeira gnosis, ou conhecimento, é feita por Jesus Cristo (1:1). Os dois termos indicam que apenas uma pessoa é pretendida. A designação completa, Jesus Cristo, aparece mais duas vezes neste capítulo, nos versos 2 e 5, o último contendo a declaração de que Ele é o “primogênito dos mortos” ou seja, Cristo positivamente morreu e ressuscitou. João não poderia ser mais claro. Ademais, é Este mesmo Jesus Cristo que em seguida apareceu em visão e lhe disse: “Estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos” (v. 18)
            Além disso, observamos que, em termos de literalidade, é o Filho da mulher que é arrebatado para o trono de Deus em 12:5, e que o sacrifício de Jesus é de fato salvifico, pois garante ao homem o triunfo sobre Satanás (v. 11). Este sacrifício é também condição sine qua non para que a revelação, sem a qual, repetimos, não é possível nenhum correto conhecimento de Deus, se torne efetiva (5:5, 9). Finalmente, é este sacrifício que nos coloca no reino eterno (7:14-17; 22:14). A posse da vida autêntica, portanto, não ocorre nas condições do gnosticismo.
            Que a matéria não é essencialmente má, ao contrário de como entendia Cerinto, e que Deus é o direto criador dela, se depreende das palavras de 4:11. Além disso, Deus recriará o mundo após colocar um ponto final na história do pecado (caps. 20 a 22). E com isto, João contradiz a escatologia gnóstica com uma grandiosa descrição dos verdadeiros eventos finais: Deus extirpará o pecado e trará de volta, agora mais plenamente, o mundo perfeito e imaculado de antes. E João contesta o engano gnóstico da imortalidade da alma reafirmando que os crentes mortos tomarão posse da vida eterna exclusivamente através da ressurreição quando Jesus voltar (20:6).
            E assim, justamente quando conceitos falsos ameaçavam, na Igreja, a unidade da fé e da esperança, Deus fez o Apocalipse emergir. O fim do primeiro século estava chegando. Por algum tempo a Igreja esperara o retorno de seu Senhor, e Ele não viera. O gnosticismo acenava com as glórias da salvação já e agora com a posse da gnosis, e com a perspectiva da ida para o céu logo após a morte. Cristo então retornaria para quê?
            A Igreja, portanto, estava carecendo uma vez mais do amparo da verdade para o fortalecimento da esperança adventista, isto é, a esperança na segunda vinda de Jesus, como algo plenamente genuíno e necessário. A isto o Apocalipse se prestou de forma singular.
            Hoje vivemos no século 21. Cristo ainda não retornou e igualmente somos bombardeados com todo tipo de ideias, todas tentando se impor como verdadeiras. Que fazer? Nossa única alternativa segura é volver a atenção ao que a Bíblia diz. Particularmente o Apocalipse revela o que está para acontecer. Simplesmente não precisamos ser enganados.  
           Continuaremos na próxima postagem.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Tema 22

A Face Humana do Apocalipse - conclusão

Dr. José Carlos Ramos
Dezembro de 2013

            O Apocalipse foi escrito por alguém que desde a juventude foi um ardoroso seguidor de Jesus; seu nome era João, conhecido como o apóstolo do amor.
            Os dados biográficos de João, a exemplo de outras personalidades da igreja primitiva, aparecem esparsamente no Novo Testamento. Mateus o menciona apenas 4 vezes, Marcos 10 e Lucas 7. O quarto evangelho, o seu, menciona-o como o discípulo amado e como um dos filhos de Zebedeu.
            Ele era o mais jovem dos discípulos de Jesus. Alguns pensam que João não era muito estimado pelos demais, em vista de seu ambicioso desejo de ocupar o primeiro lugar no reino de Jesus. De fato, a cobiça, o amor à posição e à supremacia, e a avidez por promoção pessoal (Mt 10:35-37, 41) eram graves defeitos no caráter deste apóstolo. E não eram os únicos.
            Jesus o denominou, e a seu irmão Tiago, de “filhos do trovão”. Eram geniosos, impetuosos, fáceis de ressentimento e propensos à vingança (Lc 9:49-54).
            Por trás destes graves defeitos, porém, Jesus discerniu em João um ardente, sincero e amante coração. Embora muitas vezes repreendido pelo Mestre, apegava-se mais firmemente a Jesus, até que sua alma se amalgamou à dEle. Era o “discípulo que Jesus amava”, não porque Jesus não amasse os demais, mas porque mais efetivamente deixou-se dominar por esse amor, a ponto de ter a vida totalmente transformada. Em seu coração a chama da lealdade e devoção ardente tornaram-no um dos mais destacados apóstolos na igreja cristã. Entre Jesus e ele desenvolveu-se uma profunda amizade, mais intensa que em relação a outros discípulos.
            João abeberou-se tanto da Fonte, que alguns estudiosos e comentaristas de seu Evangelho creem que sua linguagem e estilo correspondem à linguagem e estilo de Jesus. Embora isso não seja provável, é indiscutível que João nos apresenta um quadro profundamente original e distintamente genuíno de Jesus. Ele percebeu que Cristo se encarnara para ser, unicamente Ele, uma perfeita revelação de Deus, em vista do íntimo e pleno conhecimento que tinha do Pai.
            Este fato despertou no apóstolo o anseio de adquirir um conhecimento de Seu Salvador tão íntimo e pleno quanto possível, e de se tornar assim uma autêntica testemunha dEle. Ele conseguiu lograr este grandioso ideal através de sua vida apostolar e de seus escritos. No último livro da Bíblia, por exemplo, ele nos oferece uma revelação final e surpreendente de Jesus. De fato, ninguém foi capacitado a exaltar melhor a Cristo que o apóstolo João, em que pese o fato de terem os demais apóstolos amado também a Jesus, e anunciado com todo o fervor as verdades concernentes a Ele.
            Se podemos considerar como sendo ele um dos dois discípulos de João Batista mencionados em João 1:35, teria ocorrido o seu primeiro encontro com Jesus quando o precursor, apontando para Este, proferiu pela segunda vez o clássico testemunho “eis o Cordeiro de Deus” (Jo 1:36). Tal testemunho transformou-os em discípulos de Jesus. Mas é possível que o conhecimento que João tinha de Jesus antecedesse esse momento, na base de seu provável parentesco com o Salvador. Uma comparação entre Mateus 27:56, Marcos 15:40 e João 19:25 parece indicar que a mãe de João se chamava Salomé, e que era irmã da mãe de Jesus. Este e João, portanto, eram primos. Esta linha de parentesco, mais o fato de que ele era um dos íntimos discípulos, tornaram-no o mais indicado para cuidar dela quando Jesus morresse, daí o Salvador dirigir-se a ele como o novo filho de Sua mãe (Jo 19:26, 27). Outro íntimo de Jesus, e também Seu primo, era Tiago, irmão de João. Mas sem dúvida Jesus sabia que não muitos anos depois Tiago seria martirizado (At 12:2). João, realmente, era a pessoa mais indicada para aquela nobre tarefa.
            O testemunho do Batista, entretanto, ensejou um encontro mais pessoal e decisivo para que João se tornasse um seguidor de Jesus, inclusive de forma definitiva quando, mais tarde, junto ao mar da Galiléia, foi convidado pelo Mestre para que O seguisse (Mt 4:21, 22).
            Cedo João, a exemplo de Pedro e Tiago, tornou-se íntimo discípulo de Jesus. Ele testemunhou a ressurreição da filha de Jairo (Mr 5:37), a transfiguração (Mt 17:1), e, mais de perto, a agonia do Getsêmani (Mt 26:37). Esteve “aconchegado” a Jesus na hora da ceia, e reclinou a cabeça em Seu peito (Jo 13:23-25). Do Getsêmani, acompanhou o Mestre até a sala do sumo sacerdote, de quem era conhecido, e dali até o Calvário onde permaneceu até Jesus expirar e ser retirado da cruz (18:15). Os episódios descritos ao pé da cruz (19:18-35) são tão vívidos e reais que só uma testemunha ocular poderia assim narrá-los.
            Na manhã da ressurreição correu na companhia de Pedro, a ver o sepulcro vazio (20:3-8). Em companhia dos demais, viu o Salvador ressurreto, inclusive logo após voltarem à pescaria (21:7, 8). Nesta ocasião, após o diálogo de Jesus com Pedro, concluído com a pergunta deste quanto ao destino de João, Jesus fez uma declaração que, mal compreendida, levou os discípulos a imaginarem que João permaneceria vivo até a segunda vinda (v. 23).
            Lucas registra a atuação de João na companhia de Pedro, na pregação do evangelho logo após o Pentecostes (At 3:1-11), ao ser aprisionado sob as ordens do Sinédrio (At 4), e na pregação em Samaria (8:14). Paulo afirma que ele era uma das colunas da Igreja apostólica (Gl 2:9).
            João foi, entre os apóstolos, aquele que mais viveu, chegando à idade avançada. Nesta época, por instigação dos judeus, foi aprisionado pelo imperador Domiciano que ordenou fosse ele atirado a um caldeirão de azeite fervente. Milagrosamente preservado por Deus, o imperador o deportou à ilha de Patmos onde recebeu as visões do Apocalipse. Domiciano reinou entre 81 e 96. Segundo a tradição, Nerva, sucessor de Domiciano, libertou-o, voltando para Éfeso onde terminou seu ministério e seus dias. Como um dos lances finais de seu ministério, João empenhou-se no combate às tendências gnósticas que pressionavam a Igreja na Ásia Menor, sob a influência dos ensinos de um herege chamado Cerinto. De fato, uma clara resistência a estes ensinos pode ser sentida em seu Evangelho e epístolas. O Apocalipse se opõe a eles indiretamente.
            Afirma-se que, estando João para morrer, perguntaram-lhe se tinha uma última mensagem a dar. “Amai-vos uns aos outros”, disse, e expirou.
            João é um vívido exemplo do que graça de Deus pode fazer por um homem possuidor de graves defeitos de caráter, mas que a ela se entrega sem reservas. A educadora Ellen G. White afirma em seu magnífico comentário da vida de Jesus, o livro O Desejado de Todas as Nações, às páginas 557 e 559:

                  Quando o caráter do Ser divino lhe foi manifestado, João viu suas próprias deficiências, e foi feito humilde pela revelação. Dia a dia, em contraste com seu próprio espírito violento, ele observava a ternura e longanimidade de Jesus e ouvia-Lhe as lições de humildade e paciência. Dia a dia seu coração era atraído para Cristo, até que perdeu de vista o próprio eu no amor pelo Mestre. O poder e ternura, a majestade e brandura, o vigor e a paciência que ele via na vida diária do Filho de Deus, encheram-lhe a alma de admiração. Ele submeteu seu temperamento ambicioso e vingativo ao modelador poder de Cristo, e o divino amor operou nele a transformação do caráter...
                  Uma transformação de caráter como a que se vê na vida de João é sempre o resultado da comunhão com Cristo. Pode haver marcados defeitos na vida de um indivíduo, contudo, quando ele se torna um verdadeiro discípulo de Cristo, o poder da divina graça transforma-o e santifica-o. Contemplando como num espelho a glória do Senhor, é transformado de glória em glória, até alcançar a semelhança dAquele a quem adora.

                        Ser semelhante a Cristo! Poderia haver experiência mais preciosa a ser desfrutada?

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A Face Humana do Apocalipse - parte 1

Tema 21

A Face Humana do Apocalipse - parte 1

Dr. José Carlos Ramos
Novembro de 2013

            O maior livro profético da Bíblia, o Apocalipse, é declarado ser uma “revelação de Jesus Cristo” dada por Deus para benefício de Sua Igreja (Ap 1:1). Este título comporta dois sentidos fundamentais, um subjetivo, que aponta a Jesus como o autor da revelação, e outro objetivo, que O torna o objeto da revelação. Isto significa que a revelação é feita por Jesus e é acerca dEle e de Sua obra salvífica. O mesmo texto faz referência ao instrumento humano usado por Jesus para que a revelação se efetivasse e alcançasse o seu destino: “o seu servo João”. Quem foi ele?
            Bem, o Novo Testamento alude a pelo menos quatro pessoas que tiveram esse nome:

1.    João Batista, que morreu antes da crucifixão de Jesus;
2.    Um parente do sumo-sacerdote Anás, e inimigo do evangelho (At 4:6);
3.    João Marcos (At 12:12), o autor do segundo Evangelho;
4.    O apóstolo João, o discípulo amado e autor do quarto Evangelho.

            Por razões óbvias, nem o primeiro nem o segundo poderiam ter sido o escritor do Apocalipse. Dificilmente sê-lo-ia o terceiro. O estilo e a redação do último livro da Bíblia são bem diferentes dos do segundo evangelho. Ninguém na Igreja primitiva associou o Apocalipse a Marcos.
            As evidências apontam para o apóstolo João como o escritor. A tradição primitiva assim o reconhece, e todos os escritores cristãos até o 3° século confirmam esse fato.
            Também é crido que João passou os seus últimos anos em Éfeso. Irineu (130-202) declara que na sua juventude vira o idoso Policarpo de Esmirna que “conversou com muitos que tinham visto a Cristo”, entre eles João que permaneceu em Éfeso até os dias de Trajano (98-117). O próprio Policarpo teria sido um discípulo do apóstolo João.
            Policrato (130-200), bispo de Éfeso, também afirma que João, o discípulo amado que se reclinou no peito do Senhor, “repousou em Éfeso.” Vale notar que, no Apocalipse, o escritor se dirige à igreja desta localidade (Ap 1:4, 11).
            Alguns alegam a existência de outro João de influência na Igreja ao fim do 1° século, fundamentados no seguinte testemunho de Papias:

            “E não hesitarei anexar às interpretações tudo quanto aprendi bem dos presbíteros... Se, então, em qualquer tempo vinha alguém que seguira os presbíteros, eu inquiria acerca das palavras dos presbíteros, o que André, ou Pedro, ou Filipe, ou Tomé, ou Tiago, ou João, ou Mateus, ou qualquer outro dos discípulos do Senhor, disseram, e o que Aristion e o presbítero João, os discípulos do Senhor, dizem. Não suponho que a informação dos livros me ajudasse tanto quanto a palavra duma voz viva e sobrevivente.” (História Eclesiástica de Eusébio, III.39.3, 4).

            Baseado nesse texto, o historiador Eusébio concluiu que dois cristãos de destaque, chamados João, viviam na Ásia no fim do 1° século, o apóstolo e um presbítero, e que o último escrevera o Apocalipse, enquanto o primeiro escrevera o Evangelho.
            Todavia, uma das formas de interpretar a declaração de Papias é ver nela a presença de dois grupos de pessoas, com o nome João em cada grupo, mas com a instância de haver apenas uma pessoa com esse nome, mencionada duas vezes. As pessoas de ambos os grupos são chamadas de discípulos do Senhor. As do 1º grupo disseram, isto é, haviam vivido antes de Papias e anunciado as palavras de Jesus. As do 2º grupo dizem, isto é, viviam no tempo de Papias e anunciavam as palavras de Jesus. Se, como se acredita, o apóstolo João alcançou o final do 1° século, então Papias, que morreu em 163, foi seu contemporâneo, e pode tê-lo ouvido de viva voz. Neste caso, o apóstolo é tanto o 1º João citado como o 2º, com a diferença que, do corpo apostólico, ele era o único sobrevivente. Quanto a Aristion, não há qualquer outra referência, no Novo Testamento ou fora dele. Mas é significativo que, na declaração de Papias, Aristion não é chamado de presbítero, e sim João, o mesmo título aplicado aos apóstolos no 1º grupo. Não estaria Papias, então, se referindo a um apóstolo, ao mencionar pela 2ª vez o nome João?
            Alguns pensam também que João não poderia ter escrito o Apocalipse no fim do 1° século por ter sido morto muito antes pelos judeus, a exemplo do que aconteceu com o seu irmão Tiago (At 12:1, 2), o que teria cumprido a previsão de Jesus a respeito deles (Mr 10:38, 39). Mas isto não quer dizer que João haja morrido ao mesmo tempo de seu irmão. Vários anos depois do martírio de Tiago, João é mencionado por Paulo como sendo um dos baluartes da Igreja (Gl 1:9). Se por acaso ele também enfrentou o martírio, o que é improvável, seria bem mais tarde, pois o próprio Apocalipse dá a entender que no fim do 1° século os judeus ainda perseguiam os cristãos.
            A verdade, porém, é que não era necessário que João fosse martirizado para que as palavras de Jesus alcançassem cumprimento. O Salvador poderia perfeitamente estar se referindo à senda de sofrimento que os dois teriam pela frente, em contraposição ao pedido por grandeza feito por eles. Há ainda a se considerar as palavras de Jesus em Jo 21:22, “quero que ele permaneça até que Eu venha”, que, em contraste com o tipo de morte que Pedro enfrentaria (v. 19), podem significar que João não enfrentaria o martírio.
            Dionísio, bispo de Alexandria falecido em 265, também afirmou que o escritor do Apocalipse não poderia ter sido o apóstolo João, autor do quarto Evangelho, em vista da diferença de linguagem entre uma obra e outra. Muitas palavras empregadas com frequência por João no Evangelho, são raras ou mesmo omitidas no Apocalipse. O uso de sinônimos igualmente reforça essa posição. Exemplo: a palavra grega para cordeiro no Evangelho é amnós, enquanto que no Apocalipse é arníon.
            Devemos, todavia, lembrar que a natureza do assunto pode ter levado o escritor a empregar termos diferentes no Apocalipse face à necessidade de repetir ou combinar as afirmações de antigos profetas, considerando que os quadros do Antigo Testamento são predominantes no livro. As circunstâncias sob as quais o Apocalipse foi produzido devem ser igualmente levadas em conta. Foram bem menos favoráveis que aquelas sob as quais o Evangelho emergiu. O Apocalipse foi escrito sob condições adversas, na própria ilha de Patmos, palco das visões que proveram o seu conteúdo. Havia ali uma colônia penal e para lá o apóstolo fora enviado como prisioneiro. Vale lembrar também que, com respeito à composição do Evangelho, a tradição primitiva indica ter tido João a assistência de um secretário, o que também explicaria a diferença vocabular.
            Assim, a hipótese mais plausível aponta para o apóstolo João como o escritor do Apocalipse. Em minha próxima postagem veremos que sua experiência como seguidor de Cristo foi simplesmente maravilhosa. O exemplo que ele nos legou demonstra como a graça de Deus pode operar uma grandiosa transformação na vida daquele que a ela se rende.