segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Tema 3
Jesus Cristo, o Profeta Singular
                                                                                                                                                                                                                                                                                  Dr. José Carlos Ramos
Engenheiro Coelho, SP, janeiro de 2013
             

A revelação de Deus e de Seu propósito na pessoa de Jesus Cristo é absoluta em seu alcance, autonomia, codicionalidade e idoneidade, o que O evidencia como superior a todos os profetas vindos antes e depois dEle. Uma rápida consideração ao ministério profético de João Batista é suficiente para confirmar este fato.
João Batista deve ser considerado o último profeta da antiga dispensação (Lc 16:16; Mt 11:13); sua mensagem é, basicamente, a mesma apresentada pelos profetas anteriores, pois Ele igualmente anunciou Aquele que haveria de vir (Mt 3:11; Mr 1:7; Lc 3:16; Jo 1:26, 27, 30; At 19:4). Todavia, segundo Jesus, “entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que” ele (Mt 11:11). A posição de destaque ocupada por este grande profeta, em relação àqueles que o antecederam, é devida ao fato de ter ele sido o precursor do Messias e alcançado os dias messiânicos, o que lhe permitiu contemplar o cumprimento substancial de tudo aquilo que havia sido antes predito. É ainda mais por ter-lhe sido dado o privilégio de batizar o Prometido, e apresentá-lO a Israel e ao mundo (Mt 3:13-17; Jo 1:29-37).
Mas João Batista mesmo não se tornou um discípulo de Jesus, um membro da comunidade messiânica. Daí Jesus afirmar: “O menor no reino dos céus é maior do que ele” (Mt 11:11), caracterizando a superioridade da nova dispensação. Em outra ocasião Ele lembrou aos discípulos: “Bem-aventurados os olhos que vêem o que vós vedes. Pois Eu vos afirmo que muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes, e não viram, e ouvir o que ouvis, e não o ouviram” (Lc 10:23, 24). Tudo isto porque os tão esperados dias nos quais Deus pessoalmente estaria com os homens haviam realmente chegado.

A Plenitude da Revelação
em Cristo

 O caráter absoluto da revelação em Jesus precisa ser considerada também em sua amplitude. A revelação anterior sempre foi parcial e relativa, mas em Cristo ela se tornou plena e completa. Os escritores do Novo Testamento aludiram a este fato pelo emprego do grego pleroma e derivados, ao fazerem referência a Cristo e às implicações de Sua presença no mundo. O termo significa plenitude.
Aquele, por exemplo, que veio para “cumprir” [pleroo, conduzir à plenitude, tornar pleno] a lei e os profetas (Mt 5:17) “habitou entre nós cheio [pleres, pleno] de graça e verdade” (Jo 1:14), porque afinal “nEle habita corporalmente toda a plenitude [pleroma] da divindade” (Cl 2:9). O escritor sagrado não exita em se valer de uma quase redundância (“toda a plenitude”) para colocar fora de qualquer dúvida o fato da revelação em Cristo ser plena e total.
     É evidente que na velha dispensação Deus jamais poderia esgotar a revelação, pois o vaso finito não pode conter senão uma medida finita. Por isso Ele teve de falar “muitas vezes”, “de muitas maneiras”, e “pelos profetas” que entendemos terem sido muitos também (Hb 1:1). “Muitas” e “muitos” na epístola aos Hebreus denotam imperfeição, incompleteza, e aparecem em contraste com “um”, “uma”, “único”, “única”, que se referem às realidades perfeitas ligadas a Cristo. A expressão “uma vez por todas” (7:27; 9:12, 26, 28; 10:10) salienta o fato de que a singularidade dos eventos na nova dispensação toma o lugar da pluralidade de eventos paralelos na antiga dispensação, introduzindo aquilo que é perfeito, completo e definitivo. No que tange à revelação, é afirmado que Deus “nestes últimos dias nos falou pelo Filho” (1:2). Tão somente Jesus é mencionado, embora seja verdade que depois dEle ascender ao Céu Deus continuou a usar profetas. É que tudo o que Deus tinha para revelar ao homem, e que resulta em sua salvação, foi feito em Jesus Cristo. O tempo verbal grego, conhecido como aoristo, empregado no original de Hb 1:2, pressupõe o ato de revelar como singular, pleno e definitivo. A este respeito, o Dr. Bruce afirma: “A palavra de Deus não foi completamente proferida até que Cristo veio; mas quando Cristo veio, a palavra falada nEle foi de fato a palavra final de Deus. NEle todas as promessas de Deus encontram o ‘sim!’ que sela seu cumprimento para Seu povo e evoca deles o ‘Amém!’. A história da revelação divina é a história da progressão até Cristo, mas não há progressão alguma além dEle.” (The Epistle to the Hebrews, pág. 3). Ele é a manifestação completa de Deus e de Seu propósito. “Quem Me vê a Mim vê o Pai” (Jo 14:9). Ele também afirmou: “Tudo quanto ouvi de Meu Pai, vos tenho dado a conhecer” (15:15).
     Por outro lado, as palavras “tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora” (16:12) não contrariam esse fato. Elas se aplicam antes à capacidade de captação humana que à atividade revelacional de Cristo. A revelação completa de Deus em Jesus é apreendida progressivamente pelo homem, conforme o Espírito Santo atua nele. O Espírito é enviado não para acrescentar algo novo, alguma coisa que haja faltado em Cristo, mas para guiar o homem “a toda a verdade” corporificada na pessoa de Cristo e anunciada por Ele (14:6; 1:14), e para ensinar-lhe “todas as coisas”, fazendo-o lembrar de tudo o que Jesus disse (14:26).
     De fato, a missão revelacional do Espírito não visa suplementar a missão revelacional do Filho, senão no sentido de habilitar o homem a compreender esta revelação e responder positivamente a ela. A missão do Espírito é tão preponderante e imprescindível que sem ela o evento de Cristo na História seria como se não tivesse sido. O homem não poderia desfrutar os benefícios daquilo que Cristo efetuou em seu favor, e consequentemente continuaria tateando nas trevas do desconhecimento de Deus e de Seu propósito. Mas com ela, a revelação em Cristo alcança o seu objetivo, e o homem é finalmente salvo de seus pecados e reabilitado à perfeita comunhão com Deus. Dito de outra forma, é através do ministério sacerdotal de Cristo no Céu, conjugado com a ministração do Espírito Santo na Terra, que Deus efetiva Sua salvação no homem, e este passa a viver em comunhão com Ele. Isto significa que mediante esta dupla obra o Calvário foi imortalizado. As virtudes salvíficas do sacrifício de Jesus permanecem inalteradas com a passagem do tempo, e podem ser aplicadas individualmente a nós hoje, como se mesmo agora Cristo estivesse morrendo por nós.

Além de Cristo o Equívoco

     Voltando ao enfoque anterior, é o fato de a revelação de Deus em Cristo ser completa que comunica um traço distintivo ao exercício profético na nova dispensação. Antes um profeta recebia determinada revelação que não somente ratificava e por vezes esclarecia o que anteriormente havia sido dado, mas que acrescentava novo material, conferindo ao processo da revelação um caráter progressivo. Século após século o propósito divino foi sendo desdobrado mais e mais, à medida em que os profetas sucediam uns aos outros. Jamais poderiam, como já afirmamos, esgotar a revelação, não importando quantos viessem.
     Cristo, porém, corporificou toda a revelação previamente dada e conduziu-a à plenitude, outorgando ao homem uma revelação completa. A partir do Pentecostes que marcou o início da atividade da Igreja no mundo (At 2), apóstolos e profetas foram comissionados não a suprir qualquer novo ingrediente à revelação trazida por Cristo, mas, em harmonia com a missão do Espírito, a enriquecer a Igreja e o mundo com o conhecimento dEle. Aquele caráter progressivo, próprio da revelação anterior, ficou restrito agora apenas ao processo de absorção pelo homem, a qual sempre foi e sempre será progressiva.
     O exercício profético pós Cristo atinge a culminância máxima do “testemunho de Jesus”, mas não vai além dEle. Qualquer profeta que presuma possuir “luz adicional” àquela que resplandeceu através de Cristo, deve ser rejeitado como falso, a exemplo daqueles que veiculam uma mensagem que contrarie os Seus ensinos. Isto vale de forma especial para aqueles que de vez em quando aparecem afirmando já saberem o dia e a hora da segunda vinda, coisa que Cristo deixou bem claro não ser tema de revelação (Mt 24:36; Mr 13:32; At 1:7).

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Tema 02

Cristo, o Centro da História
e da Profecia

 José Carlos Ramos 
janeiro de 2013
                                                                                                                                                                                                                                                                      
           
            Jesus Cristo é o centro da História, como sugere a clássica divisão a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois de Cristo), ou A.D. (anno Domini). Para os que visualizam a História da perspectiva profética, ela se centraliza em Cristo porque, antes de tudo, nEle se centraliza toda a profecia. Deste centro deve o inteiro curso da História ser compreendido, e toda profecia interpretada. Para Ele converge e nEle se efetiva o todo da ação salvífica de Deus na História. Sem Cristo a História não teria sentido, ou não poderia ser a história de Deus salvando o homem.
            A obra divina de restaurar tudo o que o pecado pôs a perder está plenamente fundamentada no Calvário e é dele dependente. A cruz é, inegavelmente, um fato histórico consumado. Ela foi levantada num determinado local geográfico e num ponto específico de tempo. Mas a virtude salvífica que promana da cruz transcende o tempo e o espaço. É, sem dúvida, uma das feições mais significativas do Evangelho.
            A ação divina para salvar, posta em operação desde a entrada do pecado, converge para a cruz como centro catalisador e daí deriva para o alcance de seus efeitos em todas as épocas e lugares, enquanto perdurar a sombria presença do pecado. Em virtude do que ocorreu na cruz, Deus opera nas dimensões do tempo. Passado, presente e futuro estão incorporados no processo transtemporal de salvação provido por ela.
            A invisível atuação de Deus no curso da História cumprindo Seu propósito de salvação, se torna visível na manifestação do Filho de Deus. Na pessoa e obras de Jesus se evidencia o fato de que Deus age, continuamente, salvando. O evento do Calvário envolve toda a História da salvação, pois aqueles que são salvos, antes e depois da cruz, obtêm essa graça em Cristo e em razão de Seu sacrifício.
            Com isso em vista, não é difícil perceber porque a profecia bíblica não trata exclusivamente do futuro, como fazem as profecias populares. Ela, de igual modo, também  revela a verdadeira essência do passado e do presente. Engloba, em seu mais amplo aspecto, o tratamento de Deus com o pecado. A profecia bíblica ― tanto em sua formulação como no cumprimento das previsões ― a presença de Deus por meio de Jesus Cristo, a “testemunha fiel e verdadeira” (Ap 1:5; 3:14), o perfeito Revelador. Na transcendência da cruz ocorre a concretização do plano da redenção. Por meio dela o plano se torna viável e efetivo.

Cristo, Agente e Objeto da Profecia

            Considerando que o propósito salvífico de Deus na História se cristaliza na pessoa de Jesus e em Sua obra, e que a profecia bíblica enfoca basicamente esse fato, é perfeitamente lógico que o Novo Testamento a identifique como o “testemunho de Jesus”, e o seu conteúdo como a “revelação de Jesus” (Ap 19:10; 1:1).
            Ambas as expressões podem ser entendidas subjetiva e objetivamente: Jesus Cristo é tanto o agente como o objeto da revelação profética. Ele é o Revelador bem como Aquele que é revelado, mesmo porque Ele não apenas profere a Palavra de Deus (Ap 1:2), como é a própria Palavra que “se fez carne” (Jo 1:14). Ele não é um profeta a mais que veio para se juntar aos anteriores, mas Ele é o Profeta. Ele é a corporificação, a personalização da mensagem profética outorgada por Deus desde o princípio. É aquele Deus que no passado enviara os profetas e agora assume a natureza humana, tornando-Se um de nós e um conosco; nEle profeta e profecia se consubstanciam formando uma unidade, uma única realidade. Cristo é tanto o propósito de Deus como o Revelador desse propósito.
            De fato, desde que o pecado surgiu neste mundo, Jesus é o meio pelo qual Deus tem revado a Si mesmo e cumprido o Seu propósito. O Novo Testamento o chama de Logos, a Palavra (Jo 1:1, 14; 1Jo 1:1; Ap 19:13), o pensamento, o propósito divino expressado e concretizado. O processo de revelação e operação salvíficas desenvolvido por Deus na História, e observável na formulação e cumprimento da profecia, alcança seu auge na vida, morte e ressurreição de Jesus.
            O tema do primeiro enunciado profético é, dessa forma, o tema de toda revelação posterior. Jesus, o Cordeiro morto desde a fundação do mundo (Ap 13:8; ver também 1Pd 1:19, 20), é Aquele “de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas” (Jo 1:45; ver também 5:39, Lc 24:27 e At 3:22-24). Pedro a isso aludiu quando afirmou: “Foi a respeito desta salvação [tema da profecia] que os profetas indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graça [tema da profecia] a vós outros destinada, investigando atentamente qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo [agente revelador], que neles estava, ao dar de antemão testemunho [lembra a identificação da profecia] sobre os sofrimentos referentes a Cristo [tema da profecia], e sobre as glórias que os seguiriam [tema da profecia]” (1Pd 1:10, 11). Assim, a revelação de Deus e de Seu propósito, para cujo cumprimento se impõe a ação divina na História, é feita em Jesus e por Jesus. A profecia, portanto, não é um fim em si mesma. Ela deve nos conduzir para além dela à pessoa de Cristo, e incrementar fé nEle. “Desde já vos digo, antes que aconteça, para quando acontecer, creiais que Eu sou.” (Jo 13:19).

Qualidade e Implicações da
Revelação Divina em Jesus e por Jesus

            A revelação de Deus e Seu propósito em Jesus e por Jesus é absoluta, final e normativa. Estas feições se devem primordialmente ao fato de que, em Jesus Deus, mesmo entrou na História numa operação sem precedente, agindo direta e pessoalmente em favor do homem.

REVELAÇÃO DIVINA ABSOLUTA

            Ela é absoluta nos seguintes aspectos:
            (1) Alcance. A revelação em Cristo não conhece limites nem fronteiras; é universal. Deus não se dirigiu a uma classe étnica específica, ou a uma elite privilegiada, mas a toda humanidade. A encarnação deriva do amor divino que envolve o mundo (Jo 3:16) e o reconcilia com Deus (2Co 5:19). Todos os membros da humanidade, indistintamente, devem tomar conhecimento da revelação em Cristo (Mt 28:19, 20).
            (2) Autonomia. Ao contrário dos tempos da antiga dispensação quando a revelação divina era feita mediante a instrumentalidade humana conhecida como profetas, em Cristo Deus se comunica diretamente com o homem. É verdade que Cristo é também humano, em tudo semelhante a nós, exceto no pecado (Heb 2:14, 17; 4:15), mas Ele nunca deixou de ser Deus no mais alto sentido. Foi como Deus que Ele veio salvar o homem. Um Salvador menos que divino seria insuficiente para solucionar o problema do pecado. Assim a encarnação não O despojou de Seu status divino, mas adicionou-Lhe um novo elemento também necessário para a salvação do homem: a natureza humana.
            Na nova dispensação, profetas são ainda chamados e usados por Deus, porém não como canais de revelação no mesmo sentido do que ocorria antes de Cristo. Como diz W. D. Mackenzie, “o dia de mediadores subordinados chegou ao fim” (The Final Faith, pág. 23). Agora é o próprio Deus que se coloca diante dos homens. Por isso, Jesus pôde afirmar categoricamente: “Ouvistes o que foi dito aos antigos... Eu, porém, vos digo...” (Mt 5:21, 22, 27, 28, 31-34, 38, 39, 43, 44).
            (3) Condicionalidade. Embora a revelação de Deus para alcançar propósito demande a resposta humana, é evidente que a revelação mesma é fruto exclusivo da iniciativa divina ― portanto, é incondicional. Se isto é verdade quanto à revelação em qualquer época, muito mais o é quanto à revelação em Cristo. À luz do Evangelho não há qualquer qualidade meritória inerente ao homem que leve Deus a amá-lo e a buscar sua salvação (Tt 3:4-6). Tudo é dom de Sua graça.
            Por outro lado, o conhecimento de Deus não deriva do esforço humano em procurá-lO e achá-lO. Não é o homem que descobre Deus, mas Deus que Se revela ao homem (At 17:27). Ainda que este deva “procurar o conhecimento” (Pv 2:1-3), a descoberta será sempre na área das “coisas reveladas” e não das “encobertas” (Dt 29:29). É a revelação que provê o campo de pesquisa.
            (4) Idoneidade. Há um sentido de superioridade na revelação divina em Cristo. A epístola aos Hebreus aborda esse ponto quando contrasta a nova dispensação com a antiga. Treze vezes o autor empregou o termo grego kreítton (ou kreísson), significando “melhor”, “superior”, para referir a esse fato (1:4; 6:9; 7:7, 19, 22; 8:6; 9:23; 10:34; 11:16, 35, 40; 12:24). Em Hb 1:4 Cristo é afirmado ser “superior aos anjos”, os mesmos por cuja instrumentalidade a revelação anterior é dita ter sido feita (Hb 2:2;  At 7:53; Gl 3:19). Rejeitar essa revelação implica desprezar o que Deus fez em Cristo. “Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos. Se, pois, se tornou firme a palavra falada por meio de anjos, e toda transgressão e desobediência recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? a qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram.” (Hb 2:1-4; veja também 10:28 e 29; 12:24 e 25).
            Quando visualizamos o papel de Cristo na História e na profecia, passamos a entender melhor o plano de Deus descrito na Bíblia para salvação e bem-estar da humanidade.

PRÓXIMA SEGUNDA: TEMA 03. ACOMPANHE!


sábado, 12 de janeiro de 2013

Natureza e Significado da Profecia Bíblica

1º TEMA

Natureza e Significado da Profecia Bíblica
José Carlos Ramos
Engenheiro Coelho, janeiro de 2012


            A profecia bíblica é muito mais que prognóstico ou simples exposição de fatos a ocorrerem. Embora exista o elemento preditivo, seu propósito não é estimular o fascínio do homem pelo desconhecido, ou quanto ao futuro. Meramente conhecer o futuro é de valor apenas relativo; Deus deseja agraciar o homem com melhores dons. A mensagem profética foi o meio escolhido por Deus para revelar à humanidade o Seu plano redentor, tendo em vista a  pecaminosidade do homem e sua necessidade de salvação.
            A revelação divina ao homem, tornada possível através do ministério dos profetas que “falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo” (2Pd 1:21), proveu o material constitutivo dos 66 livros que compõem o Antigo e Novo Testamentos na Bíblia. O tema central, básico, da profecia, é o mesmo de qualquer outra matéria bíblica, seja história, poesia, lista genealógica, doutrina e mandamentos; é também o tema da Bíblia como um todo. Em suas páginas observamos o posicionamento de Deus face ao dilema do mal. Elas nos deixam a certeza de que Deus está no controle de cada coisa, e que, ao final, o pecado será como se nunca tivesse sido.
            O plano da redenção é, de fato, o assunto predominante da Bíblia. De seus 1189 capítulos, apenas os dois primeiros falam da Terra antes que o pecado nela se estabelecesse. Descrevem, de forma concisa e objetiva, a criação do planeta, a implantação do jardim do Éden, e os privilégios e deveres do homem, decorrentes de seus valores físicos, mentais e morais. Uma nota de harmonia total pode ser sentida em toda a narrativa, cujo centro é o descanso de Deus no sétimo dia (Gn 2:1-3), clara evidência de uma obra criadora executada e concluída com maestria e perfeição. À luz do que aí é afirmado, é impossível atribuir a Deus a mínima responsabilidade pela entrada do mal descrita em seguida (Gn 3).
            Em contrapartida, os dois últimos capítulos da Bíblia, Ap 21 e 22, descrevem de forma fascinante, embora igualmente concisa e objetiva, a condição da Terra após a erradicação do pecado descrita imediatamente antes. A perfeição, felicidade e harmonia originais estão de volta.
            Mas o ponto aqui é a restauração de tudo o que o pecado pôs a perder, como algo realizado exclusivamente por Deus: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21:5). O que Ele opera no transcurso dos séculos, para que finalmente esta restauração possa ser efetivada, é o conteúdo essencial da profecia, isto é, daquilo que nos é oferecido entre Gn 3 e Ap 20.
            Portanto, a profecia bíblica tem a ver, antes de tudo, com os atos salvíficos de Deus. “Certamente o Senhor Deus não fará coisa alguma, sem primeiro revelar o Seu segredo aos Seus servos os profetas” (Am 3:7). Sua referência ao futuro é própria porque este virá um dia a ser História, e a História, que envolve o passado e o presente, é o palco da ação divina cumprindo Seu propósito de salvação.
            Este propósito, estabelecido desde a eternidade, é levado a efeito na passagem do tempo. Assim a profecia ressalta o fato de que os eventos da História ― desde o passado mais remoto até sua parte final, conhecida como “a consumação dos séculos” ― não se sucedem por mero acaso ou como ação exclusiva da providência humana, mas Deus está no controle de cada coisa, operando o Seu propósito.
             Naturalmente esse grandioso fato situa-se além da capacidade humana de observação. Tudo o que um historiador secular pode transmitir decorre da percepção sensorial; mas os atos de Deus na História transcendem os recursos dos sentidos, e podem ser percebidos apenas mediante a atuação de um elemento sobrenatural na mente humana: a inspiração. O profeta bíblico é, na verdade, um historiador do ponto de vista da dinâmica divina. Isso é constatado quando observamos a maneira distinta como a Bíblia relata certos eventos comuns à narrativa histórica.
 
Os Limites da História São os Limites da Profecia
           
             A História, como a conhecemos, inicia-se não com a criação do homem, mas com sua queda no pecado. A História, na realidade, é a história do homem amargando a experiência do pecado. Todavia, a partir do momento em que o pecado se fez presente, Deus entrou em ação para resgatar o homem. Sem essa interferência, a História do homem iniciar-se-ia com a queda e seria concluída com o seu aniquilamento final e eterno. Em virtude dela, porém, o homem será finalmente reintegrado em seu estado de perfeição original.
            A história do homem no pecado é igualmente a história de Deus salvando o homem do pecado. No exato momento em que o homem pecou, o plano da redenção humana passou a ser aplicado. Enquanto o pecado existir, a aplicação desse plano estará em operação. No exato momento em que o pecado for banido, o plano terá alcançado a plenitude de seu resultado. O ponto inicial e o ponto terminal do pecado estabelecem os limites da História e da aplicação desse plano.
            Sendo que a profecia bíblica encontra no plano da redenção o seu conteúdo básico, e na História o seu próprio cumprimento, é inevitável a conclusão de que os limites da História são igualmente os limites da profecia. No dia em que o homem pecou Deus veio ao seu encontro para lhe revelar os efeitos da desobediência e o meio da reabilitação. É verdade que o efeito do pecado fora anunciado antes da queda (Gn 2:16, 17), mas é óbvio que esse anúncio foi dado na forma de uma advertência e não de uma afirmação profética. De fato, foi a queda que ensejou a comunicação da primeira mensagem profética, exarada em Gn 3:15-17.
            Assim, a mensagem profética nasceu quando a História começou, e morrerá quando ela terminar. O apóstolo Paulo diz que “havendo profecias, desaparecerão” (1Co 13:8). Isso ocorrerá quando o último vestígio do pecado desaparecer. Então o trato de Deus com a problemática do pecado terá chegado ao fim, e a profecia não mais terá razão de ser. Pecado e pecadores serão coisas do passado, e o homem desfrutará direta e pessoal comunhão com o Criador, tal como ocorria antes da queda.