terça-feira, 10 de setembro de 2013

Validade da Mensagem Profética de Daniel

Tema 19

Validade da Mensagem
Profética de Daniel

Dr. José Carlos Ramos
Setembro de 2013

            A forma como as profecias de Daniel foram registradas, somada ao fato de muitas delas alcançarem exato cumprimento em eventos que partem do domínio babilônico e avançam ― como é suposto pela alta-crítica ― até os dias de Antíoco Epifânio, tem levado os eruditos liberais, como já referi, a estabelecerem o 2º século a.C. como época da produção do livro. Isso é feito numa tentativa de justificarem o vaticinia ex eventu como critério de interpretação.
            Fossem aceitas as evidências que indicam o 6º século em lugar do 2º, e teriam de aceitar o elemento genuinamente preditivo da mensagem profética e reconhecer o caráter sobrenatural e divino de tais predições. Isto os críticos não estão dispostos a fazer.
            O conceito conhecido como vaticinia ex eventu determina que a exposição profética não passe de um simples relato de eventos históricos numa roupagem profética: o escritor se “desloca” para um tempo anterior aos eventos e então os narra na perspectiva de um profeta; tudo em contraste com o conceito referido como vaticinia ante eventu, segundo o qual o escritor não é apenas um escritor, mas um profeta no significado lato do termo, isto é, alguém que se situa antes do evento que é previsto e narrado.
            Mas para os críticos, uma grande porção do material profético de Daniel, que inclui os capítulos 2, 7, 8, 9 e, particularmente, 11:2-35, não passa de vaticinia ex eventu, acontecimentos já ocorridos no tempo do escritor. Para eles, os versos 36-39 tratam do que o rei sírio fazia contra os judeus quando o livro de Daniel estava sendo escrito, acontecimentos correntes; os restantes seis versos seriam os únicos, segundo os críticos, a serem considerados vaticinia ante eventu, ou autênticas predições, pois estariam descrevendo os últimos lances da carreira de Antíoco, ainda por acontecerem. Neste caso, afirmam os liberais, o escritor se equivocou prevendo fatos que jamais ocorreram.
            Esse parecer da alta crítica é adequadamente expresso na seguinte afirmação liberal do Dr. Brownlee: “O fim de Antíoco, predito em 11:40-45, difere da história de sua morte em 1 e 2Macabeus, e, portanto, representa presumivelmente predição real da parte do autor de Daniel, a qual nunca se cumpriu.” (William H. Brownlee, The Meaning of the Qumran Scrolls for the Bible, págs. 35, 36). Incrível!!!
            Nesse ponto, a alta crítica é incoerente, pois oferece ao livro de Daniel um tratamento diverso daquele oferecido a outras porções não explicitamente proféticas da Bíblia, aceitando a data tradicionalmente adotada para a produção dessa porções, face às evidências providas pelos documentos arqueológicos de Qumran (os manuscritos do Mar Morto).
            Por exemplo, os críticos abandonaram a ideia de que determinados Salmos e os livros de Eclesiastes e 1 e 2Crônicas foram originalmente escritos no tempo dos Macabeus (2º século a.C.). Esta era a posição sustentada por eles até a descoberta dos manuscritos do Mar Morto em 1947. Agora concordam com uma data bem anterior, em vista de cópias destas porções bíblicas terem sido encontradas em Qumran. A razão disto é que entendem que tais cópias não teriam sido feitas de originais tão recentes, os quais, por outro lado e acima de tudo, não teriam tido tempo para chegar a ser considerados material canônico como realmente o foram. A data das cópias é calculada ser em torno de 120 a.C. Por que não chegam às mesmas conclusões em relação às cópias de Daniel, encontradas no mesmo sítio arqueológico, e datadas mais ou menos da mesma época?
            O que aqui se observa é um clássico exemplo de como um critério preconcebido de interpretação, o que se poderia chamar de pressuposição filosófica, normatiza qualquer estudo analítico de um livro bíblico. Daniel não poderia ser o autor, não importam as evidências que apontem nessa direção, porque, segundo o livro, ele foi um profeta, e profetas, no sentido clássico, não existem. A época não pode ser o 6° século, também não importando as evidências desse fato, porque ninguém pode com tal exatidão prever o que irá acontecer. O local não pode ser Babilônia, embora tudo indique que sim, porque esta não foi o palco dos principais acontecimentos descritos, e sim a Palestina. E vamos por aí afora. Parafraseando Dn 2:36, “esta é a interpretação” (a dos liberais) e a abordagem introdutória não pode ser outra senão a que eles oferecem.
            E quando a mensagem do livro se mostra claramente favorável à posição tradicional, artifícios suspeitos são empregados para que a posição liberal permaneça intocada. Quando, por exemplo, o texto taxativamente não pode ser aplicado a Antíoco Epifânio, ou à sua época, os críticos dão um jeitinho, apelando para o recurso da acomodação textual. Evidência desse fato pode ser observada no trato preterista aos últimos seis versos de Dn 11, cuja mensagem é transformada em mero prognóstico do autor do livro quanto ao fim da carreira de Epifânio, uma previsão de eventos que jamais ocorreram com esse rei. Ou, então, o texto de 8:13, 14, 16, 26 e 27, considerado uma parte não autêntica do original, algo como o “produto de vários estágios editoriais” que deram origem a “duas fontes principais para o livro de Daniel”; ou então como uma “interpolação posterior”; ou ainda uma “secundária adição.” (Gerhard F. Hasel, “The ‘Little Horn,’ the Heavenly Sanctuary, and the Time of the End: A Study of Daniel 8:9-14”, pág. 383. Ver também págs. 386, 391, 394, 395, 400, 404, 410, 434, 439, 444).
            Resta, então, indagar: Está correta a interpretação liberal? É o preterismo assumido por ela a expressão da verdade? Não pode esta forma de interpretação ser um grande equívoco, e, em resultado, as próprias questões pertinentes à autoria, data e local da produção de Daniel serem abordadas de maneira igualmente equivocada?
            Com todo o respeito, creio que sim. “...Normalmente os exegetas que favorecem esta interpretação tomam o modelo da perseguição de Antíoco e emendam, mudam, reconstroem, traduzem e interpretam o texto de tal forma que o fazem harmonizar mais ou menos com o modelo histórico selecionado... Estas tentativas por intérpretes e tradutores testificam acerca da dificuldade de se ajustar o capítulo 8 à interpretação antioquiana. Emendas arbitrárias do texto hebraico em contradição ao suporte manuscrito dificilmente permite uma evidência favorável à interpretação provida por estes eruditos crítico-históricos.” (Ibidem, págs. 407, 411).
            Negar uma porção profética da Bíblia é, de fato, negar a própria Bíblia, pois toda ela é de natureza profética. Mesmo uma olhadela superficial ao Antigo Testamento é suficiente para nos convencer de que os profetas que falaram em nome de Deus não apenas descreveram os eventos de seus dias, mas adiantaram o que haveria de vir num futuro próximo e também distante. Portanto, rejeitar as profecias de Daniel como autênticas, é rejeitar o dom profético e o fato de que o Deus verdadeiro Se revela, e segue cumprindo o seu propósito na História. É, finalmente, negar o próprio cristianismo, cujo Fundador viu em Daniel um profeta, e em suas profecias o elemento preditivo da História (ver Mt 24:15).
            Que Daniel foi considerado um porta-voz de Deus a Seu povo e aos opressores deste é claramente discernido em sua mensagem, dada com profundidade tal que o próprio profeta às vezes ficava sem entender plenamente o alcance da revelação. A parte histórica de seu livro (caps. 1-6) demonstra vividamente que o divino propósito vai sendo cumprindo mesmo quando aparentemente os opressores triunfam; ela pode ser considerada um verdadeiro prólogo à parte profética (caps. 7-12), a qual atesta claramente que este propósito continuará a ser cumprido até que alcance seu ponto culminante na restauração final de todas as coisas. E isso a despeito de toda oposição que estes opressores continuarão a oferecer. Nesse sentido, há um tipo de determinismo no curso dos eventos conforme a história prossegue, determinismo que jamais deve ser confundido com fatalismo, pois é claro na mensagem do livro que Deus respeita o livre arbítrio humano; os homens são livres para decidir a favor do plano divino ou contrariando Seu propósito de restauração; terão, naturalmente, que assumir as consequências inevitáveis da decisão tomada. Em verdade, respeitando-se a soberania dos propósitos divinos, Deus e o homem interagem na história.
            Portanto, a parte histórica do livro de Daniel prepara o pesquisador para apreciar mais significativamente suas profecias na segunda parte. Tomem-se, por exemplo, os episódios de ameaça e perseguição registrados em Dn 3 e 6; as provas pelas quais passam Daniel e seus amigos se tornam um tipo do que os santos do Altíssimo enfrentam, conforme a previsão de Dn 7:21, 25. Assim, ambas as partes, história e profecia, se inter-relacionam, e reiteram o sentido de unidade de todo o livro. 
            Consequentemente, as profecias de Daniel não se estendem até Antíoco, como querem os liberais, mas até a consumação final da História. Tomando o próprio 2° século como referência, Harrison questiona a posição liberal nestes termos: “Se a obra é realmente uma retroprojeção do tempo dos Macabeus, como tem sido reivindicado por muitos críticos, não é fácil ver como judeus beligerantes poderiam ter sido encorajados por uma narrativa de história passada feita na aparência de uma profecia, como nos capítulos 8 e 11. Ademais, desde que algumas das seções apocalípticas estiveram aparentemente além da compreensão do próprio Daniel, não dá para imaginar que os judeus macabeus teriam tido qualquer grau superior de entendimento ou iluminação, e consequente encorajamento, considerando que muitas das alusões são tão enigmáticas que desafiam uma explicação ou identificação precisa, particularmente em 11:30-45. (R. K. Harrison, “Daniel”, The International Standard Bible Enciclopedia, 1:862).
            O fato é que o 6º século é a época da produção do livro, e, para tal, atesta a forma de introdução dada pelo escritor às visões. Schwantes observa que Daniel registra a data das visões, o que igualmente ocorre com Ezequiel, Ageu e Zacarias, todos do 6º século. Produções posteriores, incluindo o livro de Malaquias, e particularmente as obra pseudoproféticas do 2º século, como Jubileus e Enoque, fogem a este padrão. “O hábito de datar as visões, tal como se esboça no livro de Isaías e que tem seu pleno florescimento nos livros de Jeremias e Ezequiel, continua influenciando os profetas Daniel e Ageu, para logo declinar posteriormente. É, pois, evidente que esta constatação favorece a data tradicional do livro de Daniel, em que pese a preferência da data proposta pela crítica liberal. (S. J. Schwantes, “La Fecha del Libro de Daniel”, Theologica VIII, nº 2, pág. 93).
            Quando os judeus se viram assediados por terríveis inimigos, a impressão era de que não haveria qualquer condição de escape e muito menos de vitória. Mas o rei Josafá, cheio de fé e coragem, conclamou o povo a se apegar às promessas de Deus apresentadas por Seus porta-vozes. “Crede no Senhor vosso Deus”, bradou ele, “e estareis seguros; crede nos Seus profetas e prosperareis” (2Cr 20:20). Em seguida veio o maravilhoso livramento: o próprio Deus batalhou por Seu povo e venceu os inimigos.
            Esse fato continua verdade hoje. Se queremos viver uma vida cristã vitoriosa, e desfrutar acima de tudo a salvação provida por Deus, ainda temos que dar a devida atenção à palavra profética da Bíblia, que será qual lâmpada a nos guiar no obscuros caminhos deste mundo até que a luz divina raie para sempre em nossa vida (2Pd 1:19). É por essa razão que conceitos negativistas, tais como os da alta crítica, que ignoram o valor profético do livro de Daniel, precisam ser sumariamente rejeitados.

Conclusão: Melhor Qualidade à Frente?

            Os críticos alegam que não apenas evidências internas apontam o livro de Daniel como “fraude piedosa”; existem também evidências externas que substanciam essa posição.
            Bem, já vimos que as internas não passam de simples conjecturas geradas pelo convencionalismo acadêmico liberal. Teriam as externas melhor qualidade? Continuemos a conferir.

Um comentário:

  1. Mano.
    Uma coisa é certa: deus pega os sábios deste mundo em sua própria estultícia.
    A sabedoria do homem é loucura para Deus, e por isto o homem não consegue discernir as coisas espirituais a não ser que esteja sob a influência do Espírito Santo. Robin.

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