quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Validade da Mensagem de Daniel - Conclusão

Tema 20

Validade da Mensagem
Profética de Daniel (conclusão)

Dr. José Carlos Ramos
Outubro de 2013

            No intuito de substanciar uma posição contrária à genuinidade profética do livro de Daniel, os críticos alegam duas evidências externas como indicativas de que esse livro é uma produção anônima do 2º século a.C. A primeira se liga ao processo de canonização, e a segunda é conhecida como a ausência de Daniel no “elogio aos pais” feito por Jesus Ben Siraque, autor do livro apócrifo Eclesiástico.
            Vejamos se, de fato, são válidas estas duas alegações.

A Canonização de Daniel

            Alega a alta-crítica que os judeus consideraram o livro de Daniel como de posterior produção, pois o incluíram na terceira divisão do cânon hebreu, conhecida como Kethubim (os Escritos), e não na segunda, conhecida como Nebbiim (os Profetas), conforme se pode observar no Talmude Babilônico, uma coletânea das tradições rabínicas datadas do 4º século d.C. Com base nessas conclusões, também afirmam que Daniel não foi reconhecido como profeta.
            Este ponto de vista deve ser rejeitado pelas seguintes razões:
            (1) Se o livro de Daniel deve ser datado do 2º século a.C. por pertencer aos Escritos, assim o deveriam todos os demais que formam esta divisão do cânon hebreu. São eles: Salmos, Provérbios, Jó, Cantares, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Esdras, Neemias, e 1 e 2Crônicas. Mesmo a alta-crítica, todavia, reconhece que vários documentos pertencentes a esta divisão são bem antigos.
            (2) A clássica divisão hebraica do Antigo Testamento não indica que os judeus reconheciam diferentes níveis de inspiração. Era apenas uma forma didática de referendar os escritos sagrados. A Torah, os Nebhiim, e os Kethubhim eram igualmente considerados a autoritativa Palavra de Deus, salvo para específicos grupos como os saduceus e samaritanos que aceitavam apenas a primeira divisão. Assim, a colocação de Daniel na terceira divisão não lhe confere menor importância que os demais livros. As três divisões não significam nem mesmo que ocorreram três estágios de canonização.
            (3) O historiador hebreu Flávio Josefo, duzentos anos antes da elaboração do Talmude Babilônico, colocou Daniel entre os profetas, o que indica que os judeus do 1º e 2º séculos a.D. assim o consideravam.
            (4) O Novo Testamento também o reconhece como profeta. O discurso escatológico de Jesus (Mt 24, 25; Mr 13; Lc 21), a referência paulina à vinda do “homem do pecado” (2Ts 2), e várias partes do Apocalipse têm a mensagem de Daniel como plano de fundo.             (5) Os judeus que traduziram as Escrituras Hebraicas para o grego koinê colocaram Daniel entre os profetas na Septuaginta, tal como aparece em nossas Bíblia, seguindo Ezequiel e antecedendo Oséias. A produção da Septuaginta é aceita como sendo de 280 a.C.
            (6) É reconhecido por vários estudiosos que Daniel foi inserido na terceira divisão do cânon porque os judeus não o consideraram um profeta no sentido técnico do termo. Ele não cumpriu o ofício de um profeta, como ocorreu com aqueles que assim foram considerados. Oficialmente ele foi mais estadista que profeta, e por aquilo que é relatado acerca dele em seu livro, somado ao testemunho de Ezequiel 28:3, os judeus o colocaram na galeria dos sábios de Israel. Mas os pontos acima indicam que eles viram na mensagem de Daniel os elementos proféticos necessários para torná-la tão normativa como os demais escritos proféticos.
            (7) Este fato é constatado pelo valor atribuído a Daniel pelos sectários de Qumran, comunidade hebraica do 1º e 2º séculos a.C. Eles sentiram que suas profecias estariam falando para seus dias. Ademais, os vários manuscritos e fragmentos do livro, encontrados nas cavernas 1 e 4, revelam a popularidade desta obra. Um florilégio, encontrado na caverna 4, registra uma referência a Daniel como “o profeta”. Por si só, isso denuncia a impropriedade da posição liberal.
            (8) Que a obra era considerada de valor profético noséculo a.C. se deduz de uma tradição, preservada por Josefo, sobre o sumo sacerdote Jadua interceptando Alexandre o Grande em sua marcha contra Jerusalém. Isto teria ocorrido entre a conquista de Tiro e a primeira batalha contra os persas, portanto antes de 334. Jadua, no traje sumo sacerdotal e acompanhado de vários sacerdotes também trajando as vestes do ofício, impressionou de tal forma o conquistador que este viu neles os emissários de um Deus que antes lhe aparecera em sonho garantindo-lhe a conquista do oriente. Entrando em Jerusalém, foi ao templo para adorar, quando então Jadua lhe teria mostrado as previsões Daniel a ele concernentes, segundo as quais seria o conquistador da Pérsia. Muito contente, Alexandre outorgou diversos favores aos judeus.
            Os críticos consideram o relato uma simples lenda, mas teriam que explicar por que Alexandre jamais perturbou os judeus. São também inconsistentes, ao aceitarem o que Josefo diz imediatamente antes da fala de Jadua. O historiador afirma em Antiguidades, XI, 7, 2 que Jadua procede dos tempos imediatos a Dario, possivelmente o segundo rei com este nome (423-404 a.C.), o que indica que a lista de sumos sacerdotes de Ne 12:10, 11 realmente data da época de Neemias e não de uma época posterior como alguns pensavam.
            A alta-crítica não questiona o relato de Josefo, mas rejeita a historicidade da visita de Alexandre a Jerusalém. Vale observar que Josefo é confirmado pelo papiros de Elefantina que mencionam Jônatas, pai de Jadua, como sumo sacerdote em 408 a.C.

Jesus Ben Siraque
           
            Em Eclesiástico 44-49, obra reconhecida como do século a.C., Jesus Ben Siraque, o autor, tece uma série de elogios a vários dos antepassados da história de Israel. Daniel não é mencionado, o que tem levado os críticos a reforçar o argumento de uma data tardia para os seus escritos. Isto, entretanto, bem pouco significa, quando se considera que o referido escritor jamais pretendeu esgotar a lista dos grandes vultos de Israel. Tanto que ele não menciona, além de Daniel, a Esdras, um dos líderes exponenciais do retorno dos judeus à Palestina; ninguém, por isso, invalidaria a realidade histórica deste homem, ou o colocaria em tempos posteriores à edição do Eclesiástico. Jesus Ben Siraque deixa igualmente de citar a todos os juizes, exceção feita a Samuel. Também não fazem parte de sua lista reis piedosos que marcaram época na realeza judaica, como Asa e Josafá. Nem o grande Mardoqueu, do livro de Ester, foi lembrado.
            Para fazer face a tal omissão da parte do autor do Eclesiástico existe um significativo número de referências diretas ou indiretas de Daniel na literatura intertestamental. Vejamos a lista:
                        (1) Fragmento Zadoquita (2º ou 1º século a.C.) contém várias citações de
                              Daniel;
                        (2) 3Sibilinos (145-140 a.C.), refere-se aos 10 chifres de Dn 7;
                        (3) Testamento dos 12 Patriarcas (109-107 a.C.) traz numerosas citações de  
                              Daniel;
                        (4) Livro dos Jubileus (109 a.C.) toma emprestado de Dn 9:24 o esquema de
                              semanas de anos;
                        (5) Salmos de Salomão (70-30 a.C.) fala da ressurreição citando Dn 12;
                        (6) A parte final de 1Enoque (64 a.C.) registra extensivas citações de Dn 7;
                        (7) Livro da Sabedoria (50 a.C.) cita Dn 12.
            Todas estas referências indicam uma coisa: a popularidade de Daniel, pelo menos nos círculos literários deste período. Os acréscimos apócrifos ao conteúdo original reforçam este fato. Estes acréscimos, todos produzidos nesse tempo, são: a oração de Azarias e o cântico dos três hebreus na fornalha, inseridos, nas versões bíblicas católicas, no capítulo 3 entre os vv. 23 e 24; e as histórias de Suzana e de Bel e o dragão acrescentadas no final do livro. Tal popularidade não seria possível proviesse o livro do mesmo tempo.
            Deixamos para o fim a menção de 1Macabeus, escrito entre 137 e 105 a.C., que além do registro de importantes citações de Daniel, perpetuou o testemunho do idoso sumo sacerdote Matatias, pouco antes de morrer em 166 a.C., tecendo um elogio, nos moldes de Jesus Ben Siraque, a vultos proeminentes da história de Israel, entre eles Daniel, Ananias, Azarias e Misael. Suas palavras foram:

    Porventura Abraão não foi achado fiel na tentação, e não lhe foi isto imputado à justiça? José guardou os mandamentos no tempo da sua angústia, e veio a ser o senhor de todo o Egito. Finéias, nosso pai, abrasando-se em zelo, pela lei de Deus, recebeu a promessa dum sacerdócio eterno. Josué, cumprindo a palavra do Senhor, veio a ser o chefe de Israel. Caleb, dando testemunho na assembleia do povo, recebeu uma herança. Davi, pela sua brandura, conseguiu para sempre o trono do reino. Elias, ardendo em zelo pela lei, foi arrebatado ao céu. Ananias, e Azarias, e Misael, crendo firmemente, foram salvos das chamas. Daniel, na sua simplicidade, foi livre da boca dos leões. (1Mc 2:52-60, Versão Matos Soares.

            Poderia um testemunho como este, em favor das últimas quatro personalidades mencionadas, ter sentido, tivesse o livro de Daniel sido escrito por um judeu anônimo, autor, como querem os críticos, de vários deslizes históricos, que viveu nos tempos da própria produção de 1Macabeus?
            Não há dúvida! O livro de Daniel procede mesmo do 6º século a.C. e traz a mensagem autêntica do profeta que teve esse nome.

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